Tenho assistido com frequência cada dia maior à tentativa de cancelamento da Rede Globo. Cancelamento é o nome que os tempos atuais dão ao velho linchamento. Em breve, cancelamento vai entrar em desuso e dará lugar a uma outra palavra qualquer.
O nome que se dá a isso não é importante. O que vale é a intenção. E a intenção é massacrar, exterminar e, finalmente, sepultar a Rede Globo. E você, um dos meus parcos leitores neste momento, poderá dizer: “O que você, Wagner Matheus, tem a ver com essa briga de cachorro grande entre a Globo e o Bolsonaro?”
Respondo prontamente que não tenho nada a ver com isso. A questão política, para mim, é secundária. Prefiro raciocinar como um simples telespectador dos telejornais, novelas e shows dos vários canais da Globo nas tevês aberta e fechada, ou ainda como leitor dos jornais e revistas na internet ou sobrevivendo no papel impresso.
Antes que alguém pergunte o que eu penso da Rede Globo, já escancaro aqui a minha opinião. Se tivesse que dar nota de zero a dez, a Globo mereceria oito ou nove. Se tivesse que dar nota para as outras redes de televisão, poucas passariam de quatro ou cinco. Ou seja: os caras são bons.
E por que são bons? Porque em algum momento, lá pelo início dos anos 70, apostaram em um padrão de qualidade e em uma grade nacional de programação para atingir o gosto médio da população brasileira. Isso não é fácil conseguir quando você tem o milionário da avenida Paulista em São Paulo e, no mesmo horário e canal, tem o sertanejo nordestino comendo seu feijão com farinha e, se o Padim Ciço ajudar, uns nacos de carne seca.
Vindo rapidamente ao presente, é inegável que a Globo foi extremamente competente para abastecer de informação e entretenimento o conjunto da população brasileira. Isso tem ocorrido nos últimos 50 anos.
A quem não interessa?
Como sempre, a política e os políticos querem ditar as suas regras. Se a Globo está com um, ela é maravilhosa; se está com outro, tem que ser cancelada. Tem sido assim ao longo dos tempos. Desde o regime militar, quando a Globo era claramente favorável a ele, passando pela redemocratização, quando ela começou a rever os seus valores, até chegar aos dias de hoje, quando a política brasileira é um samba-do-crioulo-doido. (Por favor, não me cancelem por usar um termo consagrado na cultura brasileira.)
A pergunta que fica é esta: a quem não interessa uma Imprensa forte e livre? Ora, não interessa a quem tem projetos hegemônicos de poder. Não interessa a quem quer manipular a maioria do povo brasileiro. Não interessa, principalmente, a quem quer dominar a opinião pública.
Você pode perguntar por que a Globo apoiou com tanta dedicação o regime militar…
Verdade, por quê? Vamos pensar nisso. Um: porque talvez o Roberto Marinho, dono da Globo, concordasse com os objetivos do regime militar. Dois: porque ele aproveitou o momento para expandir a sua rede de televisão e chegar ao Brasil inteiro. Três: porque, como diziam os seguidores de um lendário ex-prefeito de São José dos Campos, Joaquim Bevilacqua, “contra o poder, não há salvação”.
Eu vejo como verdadeiras todas essas razões e acrescento uma outra, que considero crucial: os serviços de rádio e televisão eram –e ainda são– uma concessão do Estado, ou seja, do governo federal. Entendeu ou quer que eu desenhe? É a mesma coisa que você precisar de autorização para dar as suas opiniões naquele papinho com os amigos na praça da cidadezinha do interior.
Difícil, muito difícil
Esse é o pecado da Rede Globo? Ela apoiou um regime militar? Sim, mas fez muito mais que isso. Ela implantou um padrão de telejornalismo reconhecido mundialmente; contratou os melhores profissionais do mercado, que vinham do rádio e da mídia impressa; investiu em tecnologia como ninguém mais quis investir; integrou o país com uma grade de programação realmente nacional; investiu em material humano, criou, arriscou, enfim, fez o que podia ser feito.
E as outras? Mesmo reconhecendo os méritos de todas as emissoras que “brigavam” com a Globo, é certo que nenhuma estava sem “pecado”. A Tupi nasceu da audácia do “jagunço” Assis Chateaubriand; a Record, do “marechal da vitória” da Copa de 58, Paulo Machado de Carvalho; a Bandeirantes, de familiares do notório Adhemar de Barros, político que ficou notabilizado pela alcunha de “rouba mas faz”.
Aí eu pergunto. Algum Robin Hood nessa história? Alguém queria pensar no povo sofrido? Alguém se arriscava pelos valores da democracia? Por favor…
O que está errado?
Hoje, o que a gente vê é um caleidoscópio tecnológico que transforma as cinco ou seis emissoras pioneiras em dezenas ou centenas de opções de canais, formatos, elencos etc. etc. E você vai poder escolher melhor o que assistir, porque o conteúdo terá você como alvo, e não como antigamente, “o Brasil inteiro como se todos pensassem e agissem do mesmo modo.
Então, o que está errado quando se fala de Rede Globo, “globolixo” e outras “carícias”, é a tal da “concessão”. Esse modelo nasceu lá no início do século 20 para definir uma espécie de clube de ouvintes de rádio que se inscreviam para ter acesso à programação, como se fosse um serviço público do tipo luz, água ou gás.
Depois, veio o desenvolvimento dessas mídias com os anunciantes, as promoções, as grandes atrações. Tudo foi mudando, as empresas de comunicação foram crescendo, mas a porcaria da “concessão” nunca mudou.
Hoje, finalmente, nós reconhecemos o motivo de boa parte da população brasileira não se sentir bem representada pelo rádio e pela televisão, que já se misturaram com a internet e as redes sociais. O inimigo da liberdade de informação do povo tem nome: concessão.
É preciso acabar com essa camisa de força que pretende levar empresas modernas que poderiam focar com muito mais objetividade no seu público-alvo a uma espécie de guilhotina no pescoço de quem está submetido a ela.
Você não curte a Globo? Não curte as outras? Pelo menos defenda o fim da concessão do governo para essas emissoras poderem funcionar. Depois disso, pode cobrar.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.