Uma jaguatirica e um veado pantaneiro protagonizaram, há pouco tempo, um espetáculo de diplomacia e humanidade. Um dos maiores felinos do continente americano dividiu o cocho de água com o cervo que, em outra situação, seria sua refeição.
A situação ocorreu porque eles tinham um inimigo comum: a sede; e entenderam que beber água era mais importante do que se atracarem em uma luta mortal.
Câmeras instaladas por pesquisadores da RPPN –Reserva Particular do Patrimônio Natural– do Sesc Pantanal, filmaram a cena maravilhosa em um dos 130 cochos instalados para suprir os animais nos períodos de seca, agora agravados pelas queimadas.
Assistindo ao vídeo é possível ver a jaguatirica chegar de mansinho no canto esquerdo da tela. Na outra extremidade do cocho e do vídeo, o veado levanta a cabeça, avalia a situação e entende que pode continuar ali, matando a sede, o principal inimigo deles naquele instante.
O diálogo talvez fosse algo assim:
— Fica tranquilo aí, companheiro; vou só tomar uns goles d’água aqui.
— Beleza, dona jaguatirica. Tamujunto.
— Quando as coisas melhorarem a gente aposta aquela corrida.
— Combinado, mas eu vou ganhar, fique sabendo.
Sensatos, objetivos, focados em derrotar a necessidade urgente sem procurar quem botou fogo na mata ou o culpado por permitir isso. Prioridades.
Enquanto isso, em um reino não tão distante, hordas de humanos percorrem as ruas asfaltadas envergando suas cores de guerra e gritando as palavras de ordem sussurradas aos seus ouvidos.
Ignoram a seca inclemente que ameaça o fornecimento de energia, produção de alimentos e orçamentos domésticos.
Ignoram os sábios da corte, a ciência e o preço dos combustíveis nas bombas de abastecimento.
Ignoram que o inimigo é a fome e a sede. Ignoram que sem chuva e sem proteção da natureza, sem boa administração dos recursos disponíveis, em breve não haverá alimento nem água no cocho para dividir.
Ignoram que a onça e o cervo bebendo no mesmo cocho é talvez o mais importante sinal divino que já tenham recebido.
A jaguatirica e o veado pantaneiro compartilhando a água e respeitando um ao outro na adversidade mostram como a natureza deve se comportar em busca da sobrevivência. Se o mundo está pegando fogo, se ninguém se entende, os recursos estão escassos, é hora de deixar de lado a rixa e priorizar a prioridade.
E a prioridade nunca, jamais, em tempo algum, deveria ser os políticos, pois a única sobrevivência –e independência– que a maioria deles defende é a própria.
> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.