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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

A vida anda tenebrosa nos mais diversos aspectos mundo afora, acuada por seu contraponto que virou palavra de ordem: a morte. Ela não tem perdido oportunidade. Seja por vírus, desabamento, ataque terrorista ou bandido psicopata e armado, a sombra de capuz preto e foice em punho tem andado ocupada.

Mas o horror de tantas mortes violentas não me assusta mais do que os memes e informações que tomaram os noticiários e redes sociais comemorando a morte de Lázaro Barbosa; o marginal que mobilizou mais de 200 policiais para sua localização por vinte dias, no meio do mato, em Goiás.

Como todos no país com acesso a qualquer meio de comunicação, acompanhei nas últimas semanas a saga da polícia, em busca do criminoso. Imaginando a agonia e o medo dos moradores nas chácaras e fazendas da região, assustados com cada estalar de galho seco, de dia ou de noite.

Pensando no desespero da família que foi resgatada com vida, após ser sequestrada pelo bandido. No trauma que carregarão por muito tempo ou para sempre. Inconformada com a tristeza dos parentes da família que foi dizimada pelo marginal.

Qualquer um que acompanhava o caso poderia deduzir que ver Lázaro preso, a caminho de uma cadeia de onde poderia escapar novamente, era muito improvável. Após tanto tempo em fuga, após crimes tão graves, seria difícil que ele se entregasse ou se deixasse prender.

Pessoas que agem como ele são definidas por especialistas como psicopatas, a forma mais grave do transtorno antissocial. No popular, seria uma fera sem sentimentos, sem empatia pelo sofrimento alheio, sem sensatez, sem racionalidade.

Racionalidade é uma das principais qualidades que faz de um ente vivo um ser humano. E é a racionalidade que deve fazer de um ser humano uma pessoa sensata. Em definição no dicionário, sensatez é a capacidade de ponderação ao tratar de um assunto difícil, delicado.

Por tudo que a história registra ao longo dos séculos, racionalidade e sensatez não são qualidades fáceis de serem alcançadas, especialmente em conjunto. O que existe de primitivo e perverso em nós vive à espreita, em busca de qualquer descuido da sensatez, para sapatear sobre a nossa humanidade.

Parece que essa perversidade que nos habita tem encontrado cada vez mais frestas no tecido da sensatez. Demoramos cada vez menos para rir e debochar das coisas escabrosas que vemos, desde que não nos afetem.

Reações que nos colocam em pé de igualdade com seres não muito humanos. Não se trata de questionar se a polícia deveria ou não ter matado Lázaro, ao final de uma esteira de ocorrências de várias outras mortes e crimes.

O que precisamos é refletir sobre o que faz de nós a forma como reagimos a isso. Seria mesmo o caso de comemorar? Dançar, gritar e pular? Lázaro foi morto, após matar diversas pessoas. No Maranhão, bem longe de Goiás, por causa de uma postagem desejando boa sorte ao bandido, um rapaz, que segundo a família tinha transtornos mentais, foi morto por policiais, dentro de casa, na frente do avô de 99 anos.

O que essas reações de deboche diante de tanto horror dizem sobre quem somos? Ainda mais quando o andamento das investigações vai apontando que Lázaro recebeu ajuda para se esconder da polícia. Que existe a possibilidade de que Lázaro fosse “pau mandado” de outros interesses envolvidos, como a disputa por terras.

Se essas informações se confirmarem, que nome se dá a quem contrata um psicopata para cometer crimes em seu lugar?

Ser pau mandado, pistoleiro de aluguel, cangaceiro à venda, não minimiza nenhum dos crimes de Lázaro. Mas torna ainda mais trágico as comemorações da plateia, que diante da fogueira armada com o corpo em chamas comemora a recuperação de uma paz e segurança completamente ilusórias.

Lázaro está morto, mas as sombras ocultas na sociedade, que caminham entre nós disfarçadas e sorridentes, e criam lázaros todos os dias, continuam livres. E eu não consigo parar de me perguntar o que somos quando temos a capacidade de rir da morte de alguém.

 

> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.