Foto / Canvas

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Assistindo a uma reportagem, recentemente, observei duas mulheres, que foram premiadas por conquistas profissionais, fazerem seus discursos de agradecimento.

A primeira leu um discurso bem-escrito, usando o celular como apoio para não esquecer nada. Falou dos desafios de uma nova etapa na carreira, do crescimento que alcançou e da equipe maravilhosa para quem o prêmio também era devido.

Foi bacana, redondinho, só um pouco contido, talvez. Ao final, as pessoas aplaudiram normalmente e fim da história.

Não tinha o gostinho de quero saber mais sobre essa jornada; quero conhecer melhor essa pessoa, que alguns discursos deixam no ar. Pelo menos não transparecia que a moça tivesse descido despenhadeiros aos trambolhões, fazendo piruetas para se equilibrar, mas ainda ralando os joelhos da alma na colheita do material para escrever o discurso da vitória.

E veio o discurso seguinte, na edição da reportagem, como regra, o melhor no final.

Empunhando o prêmio, a moça preencheu o palco com sobra de personalidade. As palavras de agradecimento fluíam como um rio represado que encontrou a saída, porque estavam escritas dentro dela, eram parte dela.

A história de sacrifícios pessoais, da própria oradora e de sua mãe, uma mãe de favela, despertou a atenção como o roteiro da jornada de um herói. Mesmo sem pensar, é o que esperamos ouvir de quem vence premiações.

Dos tombos da vida, ela trazia os joelhos ralados, que sentem em dobro o frescor da água da fonte quando alcançada, o que gera o desejo de dividir essa sensação de alívio para incentivar mais alguém a não desistir.

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No caso dessa moça, a história que ela escolheu destacar foi do dia em que sua casa foi alagada. Quando a água subiu, na vala ao lado do barraco, no último lugar da favela onde alguém iria querer morar, ela conta que sua mãe entendeu que não havia tempo para pegar quase nada e escolheu “salvar” o uniforme e a mochila de escola da filha.

E não teve folga naquele dia. Perder tudo em casa não foi motivo suficiente para a menina faltar à escola. Lembra a moça que elas foram da casa alagada direto para o ponto de ônibus esperar a condução que a levaria para a aula.

Talvez, lá no fundo, a mãe e a menina já soubessem que a maior lição da vida ela estava vivendo na prática, naquele momento: só a educação tem o poder de transformar a vida de uma pessoa.

Em cima do palco, prêmio nas mãos, a menina que fugiu do alagamento para ir à escola era a prova encarnada dessa verdade tão simples, mas tão renegada. Os aplausos vieram antes mesmo do fim do discurso, escrito pela vida.

 

> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.

 

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