Amigos e amigas que me seguem, tenho que me desculpar com vocês. Juro que tento ser um cronista bacana, trazendo assuntos alegres e leves, que deixam os leitores mais felizes. Mas quando me coloco diante dessas terríveis teclinhas, alguma coisa acontece no meu coração, e não tem nada a ver com “Sampa”, o sucesso do Caetano. O problema é que o meu espírito de jornalista me leva a entrar em temas mais maçantes, muito embora eu não tenha isto como intenção inicial.
Feita esta confissão de culpa, vou direto ao assunto que mexeu comigo no último sábado ao ler os “jornais”, ou seja, os portais de notícias na Internet. Fiquei abismado quando me deparei com o seguinte título de notícia do UOL: “Mãe descobre que filha foi morta após telefonema em SP: ‘Acabei de matar’”.
Entendeu? Não vou entrar em detalhes, mas a notícia falava de uma jovem de 24 anos que foi morta com um tiro na cabeça, em Carapicuíba (SP), no último dia 18, depois de sair do trabalho. O “suspeito”, como a Justiça exige que seja tratado o vagabundo que tirou a vida da moça, é um ex-namorado.
A vítima foi morta pouco tempo depois de ter falado com a mãe e a filha pequena. E, em seguida, contrariando o samba de Vinicius de Moraes, a notícia não “carece de exatidão”, pois relata que a mãe da moça chamada Tallyta, ao ligar para a filha novamente logo em seguida, foi atendida pelo “suspeito”, que teria dito: “Acabei de matar sua filha”.
Quando leio uma notícia dessas, fico pensando na minha mãe, uma senhora de 86 anos de idade que, infelizmente, se acostumou a assistir a programas de TV que exploram os absurdos que saem dos boletins de ocorrência e viram manchetes nas vozes dos Datenas da vida. Digo sempre a ela que procure evitar esse tipo de apelação televisiva, mas confesso que não tenho esperanças de que siga o meu pedido.
O fato é que crimes como este, em que o assassino confessa com toda a cara de pau do mundo o crime que cometeu, são a cada dia mais comuns. E aí eu fico pensando: “Essa gente não tem mais medo da justiça, nem da de Deus e nem da dos homens”. E vou além, essa gente não teme principalmente a justiça dos homens.
Por que isso acontece? Vou arriscar um palpite. A nossa Justiça tem sido a cada dia mais branda e, eu diria, mais acovardada com crimes graves, sejam de morte, sejam contra o patrimônio. Gente que deveria mofar na cadeia acaba, surpreendentemente, recebendo benefícios, progressões de penas e outras benesses que as coloca novamente em liberdade, muitas vezes para cometer novos crimes.
Mas, para a estupefação de quem está lendo esta crônica/artigo/desabafo, fique sabendo que existe uma Justiça em nosso país que funciona implacavelmente. Foi o que aconteceu com um homem de 32 anos de idade que cometeu um crime “gravíssimo” –seria “hediondo”?– no mês de abril deste ano, ao furtar 12 chocolates de uma unidade das Lojas Americanas em uma cidadezinha do interior de São Paulo. Isto mesmo, as mesmas Americanas que estão na Justiça por causa de um golpe, chamado de “inconsistências contábeis”, no valor de 20 bilhões de reais.
Pois saiba que a juíza que julgou o caso condenou o sujeito a nada menos que um ano, quatro meses e dez dias de prisão, em regime fechado, pelo “gravíssimo” crime que cometeu. E acredite, ao pedir a anulação da pena, o advogado do réu foi surpreendido pelo próprio preso que, de dentro da cadeia, decidiu renunciar ao seu direito de recorrer.
Nem vou tentar imaginar por que motivo o preso desistiu de tentar anular a decisão da tal juíza. Vou apenas especular, aqui com os meus botões, que o cidadão se vê tão pequeno diante da gigantesca e impenetrável máquina judiciária, que prefere pagar o castigo, dia após dia, como os estudantes de antigamente faziam ajoelhados em grãos de milho.
Porém, fica o espanto de saber que esta Justiça que o ladrão de chocolates tanto teme, o “suposto” assassino que informou à mãe, por celular, que havia acabado de matar sua filha, despreza de uma forma até cômica, não fosse trágica.
Tudo isto leva a gente a pensar em que Justiça a sociedade acredita, naquela que menos de seis meses depois de um furto de 12 chocolates coloca o “monstro” atrás das grades, ou naquela da qual o “suposto” assassino de uma ex-namorada escarnece, talvez sabendo que mesmo condenado terá vida fácil?
Para encerrar, vale a pena mencionar aqui um outro fragmento de notícia que li nos últimos dias, dando conta de que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. É claro que uma colocação dessas no ranking do xilindró desperta várias reações. Há quem diga que temos que liderar essa classificação e botar muito mais gente vendo o sol nascer quadrado. E há quem diga que, mais importante que a quantidade de presos, é a gravidade dos delitos que eles cometeram.
Resumindo: que tenhamos menos ladrões de chocolates atrás das grades e mais vagabundos que matam por “amor” e comunicam o assassinato à sogra.
Recado final: “Mamãe, sai dessa vida de acompanhar crimes, prisões e condenações, porque nem os criminosos e nem a Justiça brasileira merecem a sua atenção”.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.