Foto / Amoaves.com.br/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Ouvi gritos na varanda de casa e corri até lá para ver o que estava a acontecer. Era tia Filoca, de vassoura levantada nas mãos, exaltada, gritando contra a parede, onde havia um ponto de luz:

− Sai, diabo de passarinho, você não vai sujar aqui de novo. Eu vou meter a vassoura em você, seu peste!

O coitado do sabiá fugia de um lado para o outro. No instante em que eu gritei – Pare, tia!, o bendito escapou da sanha da rabugenta senhora.

− O que é isso, tia? Tadinho do bicho. Lembra-se do sabiá-laranjeira que eu deixei criar o filho no ninho de palha porque justamente era a época do Natal? Que ele fez ninho na arandela da varanda, uma sujeirada danada e eu, por dó e por ser cristão, deixei ficar?

− Não quero nem saber, uma vez foi, agora o estafermo que procure outra casa. Bondade tem limite. Depois você vai ter de pintar de novo e chamar o eletricista. Tem muita varanda e árvore por aí.

Acalmei a tia, mas percebi que esse sabiá não era laranjeira nenhuma.  Depois daquele episódio, anos atrás, já descrito por mim em crônica, pesquisei e vi que o passarinho era o tal sabiá-barranco ou sabiá-pardo, primo-irmão do colorido de laranja no peito, sabiá-laranjeira.

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Aliás, o sabiá-laranjeira é oficialmente a ave-símbolo do Estado de São Paulo e também do Brasil, por decreto de Fernando Henrique Cardoso, FHC para os adversários. Lembram-se do “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”…? Do grande poeta brasileiro, no poema Canção do Exílio, escrito há mais de século. O sabiá é tema recorrente na literatura.

Fama à parte, retorno à batalha doméstica e ao infeliz sabiá, agora rebaixado para sabiá-barranco. Tinha notado, mesmo, tempos antes, que aquele sabiá do Natal estava desejando dar um repeteco no ninho na arandela da minha varanda. Aparecia na árvore em frente de casa, em cima do portão, olhava com um olho, virava a cabeça, também com o outro; girava o corpo, a sondar o ninho anterior. Acho que estranhava pois eu tive de tirar a arandela, só ficando a lâmpada. Talvez a fêmea, quem sabe o macho, provavelmente os dois. Vários dias observei, encantado, essa investigação dos passarinhos.

Já logo desconfiei das intenções, pois criaram anteriormente ali um sabiazinho taludo, que foi embora em poucos dias. Deixaram uma caca de ninho e barro na minha arandela. Contudo, notei que era marronzinho por inteiro. No tio Google, apurei ser o referido sabiá-barranco.

Tia Filoca já disse:

− Aqui não tem barranco nenhum. Nada de ser bonzinho outra vez, Zezinho. Este bichinho já está querendo moleza. Ele que vá procurar sua turma. Ora, tenho mais o que fazer!

Ainda bem que detive a tempo a sanha algo feroz da tia, já de novo com dó do animalzinho, acredito que casal.

Mas eles não voltaram mais, barranco ou laranjeira. Apertou minha consciência, penso que encontraram outro lugar. De tudo, resta uma reflexão do episódio, na verdade tragicômico. Por um lado, não podemos ser lenientes, nada de ser bonzinho e sim bom; por outro, deve doer em nós, Homo sapiens, o quanto invadimos cruel embora necessariamente o habitat dos outros animais. Devemos algo a eles, não?

Fuja, no entanto, da fúria da tia!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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