Foto / Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

“Acabou nosso Carnaval, ninguém ouve cantar canções, ninguém passa mais, brincando feliz, e nos corações saudade de cinzas foi o que restou.”

Saudades do grande Vinicius de Moraes, poeta grande, poetinha das canções, da boêmia, das paixões e de casamentos. O poeta havia trazido um grau mais elevado no chamado cancioneiro popular, gerando seguidores nesse nível de letristas, como o próprio Tom Jobim e Chico Buarque, muita gente boa mesmo, alguns quase anônimos.  Restou pouco hoje, seja do Carnaval, seja da nossa boa música. Regredimos.

Não existe mais nem a observância católica das cinzas por parte de muitos fieis; a própria Igreja atenuou um bocado os rituais e proibições desse dia, que marca o início da quaresma. Quarenta dias de oração, conversão, preparação para a Páscoa.

Aliás, quando falei na quarta de cinzas, disparou logo a velha tia Filoca:

− Que quarta-feira de cinzas, que nada. Isso não existe mais. Nem um Carnaval decente. Prevalece a esbórnia, o despudor, ninguém liga mais para a religião, Zezinho! Sinal dos tempos, o fim do mundo se aproxima! Vai rezando, estafermo!

Ouvi e não respondi de imediato. Não é que a tia tinha alguma razão, embora excluindo o seu jeito malcriado?

Quarta-feira feira de cinzas seria o marco final para não haver mais nenhum festejo de Carnaval, segundo regras da Igreja. No entanto não é isto que ocorre há dezenas de anos, aqui no sul do Brasil, certamente há mais tempo no Norte-Nordeste. Os nordestinos, notadamente os baianos, fazem o Carnaval começar antes e durar ainda mais de mês.

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O Carnaval não acabou nem vai acabar, apenas mudou a maneira do povo se divertir. O que era nos salões, agora se pula em gigantescos blocos de rua. É mais arejado. Mesmo assim, eu não vejo como pode ser exatamente agradável uma multidão aglomerada, suada, num empurra-empurra, brigas. Sempre com o risco de ferir-se ou ser assaltada.

Quanto à esbórnia, hedonismo ou promiscuidade, vá com calma, tia –disse eu. Não é tanto assim, embora a palavra pudor tenha sido surrupiada dos dicionários há muitos anos! O mesmo se diga com os vocábulos, como honra, respeito, dignidade e polidez.

As pessoas continuam a desfrutar do Carnaval, na realidade desprovido daqueles encantos que ele tinha no passado –que não voltam mais! Os tempos são outros, morreu o romantismo, mataram a fantasia, proibiram o lança-perfume, as músicas de hoje são ridículas na comparação com aquelas de outrora, antes de 1970.

Não vejo muito que fazer. Numa visão geral, tudo é reflexo da sociedade atual, em grande parte individualista, hedonista, só a vibrar com a satisfação do corpo, pouquíssima cultura, educação deficiente, horror a livros, sob um quadro tenebroso das drogas.

Finalmente, final dos tempos acredito ser exagero, ainda que diante de tantos sinais ruins, o capeta espreita. De qualquer forma, lembrei à tia que a Terra não vai acabar não, tem outros quatro bilhões e meio de vida e já experimentou coisa pior: é a Humanidade que corre o risco de desaparecer. Não creio em fim do mundo próximo. Mas não ouso desafiar, gente.

Ainda tive de ouvir a advertência da tia Filoca:

− E não pode comer carne na quarta-feira, é pecado mortal! Veja lá, hein, Zezinho.

Não comi. Preferi aguardar a picanha do Lula…

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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