Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Acredite, este é o ponto em que eu vim parar. Nos dias de hoje, quem não é radical à esquerda ou à direita, é simplesmente um merda. [Vamos combinar que daqui em diante não vou usar mais esta palavra inteira, mas entenda que quando eu escrever m… isto significa merda].

Então vamos lá. Vamos falar de casos verídicos, para um lado e para o outro, que tenho vivido aqui na região da velha Vila Ema nesses trágicos momentos quer antecedem a definição de quem será o próximo presidente da República.

Antes de mais nada, gostaria de situar o exato momento em que tive a percepção de quem era o presidente da República do Brasil. Tinha cerca de 12 anos de idade, morava em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e para mim ficou claro que o nosso presidente se chamava Emílio Garrastazu Médici.

Eu apenas começava a ler jornais, mas não tinha a menor ideia do que estava acontecendo no Brasil. Sabia que estávamos crescendo. Adorava ver a minha cidade se desenvolvendo. Chegava ao ponto de entrar umas duas ou três vezes por mês em um ônibus que fazia uma linha circular por alguns bairros da cidade. Como passava por algumas ruas ainda sem pavimentação, ganhou o apelido de “poeirinha”.

Mas para mim não havia poeira nenhuma, eu gostava de percorrer todo o itinerário do ônibus para admirar a minha cidade. Como a época pedia, me excitava ver prédios antigos sendo destruídos para dar lugar a construções modernas. Também não gostava muito de ver grandes áreas verdes, preferia que houvesse em cada uma delas um canteiro de obras.

Uma lembrança muito nítida daqueles dias foi como tomei contato com a luta armada que se desenvolvia no país. Anos depois fiquei sabendo que era uma luta desigual, de alguns jovens, muitas vezes influenciados por velhos adeptos do comunismo, que resolveram realizar uma missão suicida com o objetivo de derrubar o regime instalado a partir do golpe cívico-militar deflagrado no dia 31 de março de 1964.

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Brasil grande

Eu nem queria saber de regime militar, de golpe ou de ditadura, apenas ficava deslumbrado com o “este é um país que vai pra frente” que aparecia nos comerciais de TV, nos jornais e nas revistas. Me sentia orgulhoso por tudo aquilo, me sentia feliz quando via o nosso presidente Médici indo aos estádios de futebol com um radinho de pilha no ouvido, como se fosse um dos “geraldinos e arquibaldos” imortalizados pelo dramaturgo Nelson Rodrigues quando se referia aos torcedores que frequentavam o Maracanã, que Nelson tratava como “Estádio Mário Filho” porque Mário era seu irmão.

Meu primeiro contato com a insatisfação política naqueles dias, me lembro até hoje, foi um dia em que minha mãe me deu dinheiro e uma conta de energia elétrica da empresa Light para pagar. O lugar ficava a uns 10 minutos de casa, uma bobagem para percorrer a pé aos 12 anos.

Quando cheguei lá, entrei na fila e comecei a prestar atenção no ambiente. Foi quando vi alguns cartazes na parede com fotos de “procurados”. Cada cartaz devia ter umas 30 fotos com nomes e codinomes dos tais procurados. O texto também dizia que se você encontrasse um deles deveria entrar em contato com as autoridades policiais. Juro que, a partir daquele dia, sempre que via um daqueles cartazes, saía encarando as pessoas nas ruas à procura de um “terrorista”.

O tempo passou, eu cresci, o país cresceu, a sociedade brasileira evoluiu, reconquistamos a liberdade de eleger diretamente os nossos governantes, passamos por momentos bons, ótimos, ruins, péssimos, mas sempre vislumbrando um futuro que toda a sociedade brasileira buscava. Tivemos governos de centro-direita (Sarney e Collor), de centro ou centro-esquerda (Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso), de centro-esquerda ou esquerda (Lula e Dilma), de centro-direita (Temer), até chegarmos a um governo de direita (Bolsonaro).

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Da direita à direita

Tudo muito normal, não é? Mas parece que não. Passamos, como você viu, de um regime militar para governos de centro-direita, centro ou centro-esquerda, esquerda, novamente centro-direita e, enfim, direita. Ou seja, o mesmo general Médici que governou o Brasil de 30 de outubro de 1969 a 15 de março de 1974, se “encontrou” com o capitão Jair Bolsonaro em 2018.

Problema? Nada disso. O que sempre foi dito é que as instituições brasileiras eram fortes o suficiente para suportar governos dos mais variados matizes ideológicos. E parecia que se daria o mesmo com Bolsonaro. Porém, vieram discursos antidemocráticos, ameaças de ruptura da ordem constitucional e uma agenda de costumes com uma clara sinalização de retrocesso.

E assim chegamos, cambaleantes, a este quase final de 2022, com o Brasil nas mãos dos radicais de direita e de esquerda. Na verdade, não nas mãos, mas nos dedos dos eleitores que irão digitar 13 ou 22 –22 ou 13– no próximo dia 30. A partir daí, como até os idiotas da objetividade sabem –outra menção a Nelson Rodrigues–, teremos, de janeiro de 2023 em diante, um presidente eleito –ou reeleito– e um grande líder da oposição.

Simples, não é? Só que não. Enquanto os políticos estão acostumados com essas disputas em que quem tem mais votos ganha, a crise sobrou para quem não está preparado para esse “jogo bruto”. É a população em geral, aquela que torce fanaticamente pelo seu time e xinga o árbitro de ladrão, aquela que generaliza tudo, desde o esquerdista “safado” até o direitista “fascista”. É o que a gente costuma chamar de povo.

Este é o buraco em que caímos. A classe política, que é profissional, tem sangue gelado e mira objetivos de curto, médio e longo prazos, atiçou um povo pouco habituado a participar da política, até o ponto em que dois lados, um mais à direita e outro mais à esquerda, passaram a se odiar. Qualquer semelhança com uma preliminar de guerra civil não será mera coincidência.

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Na prática

Não vou citar nomes aqui, mas nos últimos dias posso dizer que fui diretamente atingido por essa catástrofe que tomou conta do país. Primeiro, fui praticamente afastado do convívio de um amigo de esquerda com quem tive no mínimo quatro anos de boa convivência; depois, fui emparedado por um conhecido de direita que não gostou do fato de eu não concordar com as suas ideias.

Esse é o resultado do clima de fla-flu (referência ao clássico Flamengo x Fluminense, famoso por reunir perfis opostos de torcedores) que tomou conta do país. Eu, como um mero cidadão moderado –ou seria um moderado de m…?–, adepto de práticas liberais na economia e de políticas compensatórias na área social, sou tratado nas ruas, nos bares e nas rodas de bate-papo como um autêntico idiota. Ou, pior ainda, como um traidor de cada um dos lados.

Em relação a mim e a esses “amigos” perdidos, de um lado e de outro, quero dizer, com uma ponta de decepção e de lamento, que apenas sinto por eles. Mas quando penso nas futuras gerações, como nossos filhos e netos, fico extremamente preocupado pelo retrocesso que estamos vivendo.

Porém, não tenho a mesma complacência com os políticos e seus repetidores que apostam no discurso radical para se identificarem com uma massa pouco letrada e sem cultura política. Essa gente sabe que está fomentando dias de violência e crise no país que prometem proteger.

A minha única compensação é que este texto tem pouquíssima chance de ser lido por um desses esquerdistas ou direitistas radicais. Sabe por quê? Por que eles não leem fora de suas cartilhas, eles não saem das suas casinhas. E, se lerem, não conseguirão responder nada de forma civilizada.

Radical não fala. Radical ruge. Que m…

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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