Foto / Arquivo do autor

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

− Olhe, Jandira, o menino está à janela, a chupar o dedo. Ele pode cair, minha filha, tire ele dali!

Era o tio ao telefone, no seu linguajar antigo, atento para o que acontecia na casa do sobrinho, quase em frente. Não perdia uma. Isso na Rua Cotoxó, Perdizes, na São Paulo do final dos anos 1940.

Tinha eu uns três anos, morávamos num sobrado grande, já demolido muitos anos atrás, nessa então bucólica rua, onde quase ninguém passava.  O que chamava a atenção minha e de meus irmãos mais velhos era o caminhão de limpeza, que vinha semanalmente higienizar a rua depois da feira-livre. Para nós era o Aguador Pimpão, nome que ficávamos repetindo, repetindo, como festejando pelo barulho que fazia.

Esse tio-avô era irmão mais novo do vovô, uma boa figura, algo agitada e atenta. Não guardo maiores lembranças, somente da filha e de um dos netos.

Da casa, de onde saí com três anos, tenho vagas e breves imagens, como a visão do terreno baldio ao lado, a partir da janela do andar de cima, ou do tal Aguador Pimpão. Íamos até o portão da frente e ficávamos, eu e meus irmãos mais velhos, a repetir à exaustão: Aguador Pimpão!

PUBLICIDADE

Outra esfumaçada lembrança era a entrada do porão –sim, essas casas antigas todas tinham porão–, que se fazia por uma abertura no chão do pavimento térreo do sobrado. Era um alçapão, com escadinha para descer.

Lembro-me bem e tenho isto fixado nessa tenra idade –prova que isto é possível– quando retiraram de lá uns brinquedos antigos, da época da infância de papai, ou antes, como um elefantinho apoiado em rodinhas, daqueles que a criança subia em cima e era puxado por adultos. Apareceu também um caminhãozinho de metal, de cerca de meio metro, e mais de que não me vêm à mente neste momento. Brinquedos antigos, mas que me fascinaram, seja pelo tamanho, seja por surgirem magicamente do chão!

Vale refletir a respeito dessas boas lembranças, sendo curioso como elas aparecem mediante um mergulho profundo no passado, de onde momentos agradáveis surgem fáceis, sensações positivas que depois se reproduziram nos inúmeros sonos e se confundem na imensidão do inconsciente. Memórias −ressalte-se− que muitas vezes são reforçadas pela visão de fotos antigas.

Não poucas vezes, por outro lado, fantasiamos e tornamos as lembranças em situações bucólicas, românticas ou mágicas. Não importa, já que, para o bem, as desagradáveis, que xeretam sorrateiramente na nossa mente, valem o repelão de um −xô, fora! Voltemos às suaves reminiscências, que ao longo da vida foram verdadeira terapia.

Nessa quadra feliz da vida, éramos três, a caçula ainda não havia nascido. Vem-me à memória, confesso que a tenho boa desde cedo, um gracioso caramanchão existente na frente do espaçoso terreno, onde se erguia gracioso pé de camélia. E nós cantávamos, também repetidamente, a já antiga marchinha de Carnaval, a popularíssima “A Jardineira”: − Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE