A crônica abaixo, agora reproduzida no SuperBairro, foi publicada na última segunda-feira (6) no site “Clube dos Escritores / 50 Mais” (https://www.clubedosescritores50mais.com.br). Nascida em São Paulo (SP) em 1º de fevereiro de 1959, a autora é psicopedagoga com especialização em análise bioenergética e biossíntese.
Wagner Matheus / editor
A água escorre pela fina mangueira até o ralo do chuveiro. Uma banheira de bebê com o perfume de uma infância por vir é tudo que minha memória afetiva precisa agora.
Olho para o meu netinho, recém-nascido, saído do banho, e meu coração fica inundado de amor. Minhas lágrimas se confundem com a água que escorre pelo ralo.
Tenho sentido essa tristeza represada há quase um mês, desde que soube dos atentados em Israel. Fiquei sem chão. Fiquei apreensiva pelos meus parentes e amigos. Fiquei raivosa.
O ódio é um veneno que contamina tudo e, assim como o amor, sempre pega as partes pelo todo. Israel, para nós judeus, é a mãe, o colo, é a água do banho perfumado.
Em Tel-Aviv, quando saía à noite para alguma apresentação de ballet ou concerto, me chamava à atenção como as mulheres, na sua maioria jovens, descontraídas, alegres, pareciam saídas do banho, com os cabelos úmidos que não deu tempo de secar.
Hoje, só consigo associar essa água às lágrimas dos nossos antepassados sobreviventes do holocausto que, ao chegarem em Israel, transformaram a dor em adubo para fertilizar, no meio do deserto, um oásis onde fariam um lar.
Em 2018, quando estive em Israel procurando um trabalho que fizesse sentido a uma possível mudança temporária de país, um deles me tocou em especial: Women Wage Peace – Mulheres pela Paz. Conheci pessoalmente uma das fundadoras do projeto com quem tive um daqueles típicos cafés da manhã que são puro deleite em um hotel em Tel-Aviv.
Nessa agradável conversa, R. me contou sobre o início do grupo. Quatro mulheres se reuniram e sonharam com a possibilidade de mulheres árabes e judias trabalharem juntas. Como não tinham apoio algum, muito menos do primeiro-ministro que formalmente deixou claro não concordar com o projeto, resolveram da forma mais feminina que conhecemos: sentaram-se na frente da casa do primeiro-ministro em greve de fome, exigindo apoio governamental.
Depois de mais de um mês, a esposa dele veio conversar e elas não só conseguiram o apoio como tiveram proteção do governo.
No início, R. me contou que não eram respeitadas chegando a ser ameaçadas de morte por ambas as comunidades.
Na caminhada que fizemos em Jerusalém, era imensa a quantidade de carros nos escoltando. Ao cair da noite, éramos quatro mil mulheres sentadas num jardim sob um céu estrelado, profundamente emocionadas, ouvindo duas cantoras, uma árabe e uma judia.
Um dos projetos do Women Wage Peace é o Piece of Peace. Pessoas de qualquer lugar do planeta podem enviar pedaços de tecido em um tamanho padronizado, customizado com algum símbolo relacionado à paz. A ideia é fazer um tapete da paz com retalhos do mundo todo por onde caminharemos de Israel à Palestina. Soube esses dias que uma das líderes desse movimento, uma senhora de mais de 75 anos, está sequestrada em Gaza.
Torço para que o Women Wage Peace consiga novamente colocar mulheres árabes e judias para cantarem juntas.
Espero um dia poder caminhar por esse tapete da paz ao lado de todas essas mulheres entoando um canto de esperança.
> Lilian Kogan nasceu em São Paulo (SP) em 1º de fevereiro de 1959. É psicopedagoga com especialização em análise bioenergética e biossíntese.