As aventuras de sete vizinhos durante o "corralito" argentino são retratadas em "A Odisseia dos Tontos". Foto / Divulgação

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Democracia: palavra de origem grega, composta por “demos” (povo) e “kratos” (poder ou forma de governo). Assim é o governo em que o povo supostamente exerce a soberania –sim, supostamente, num sistema político em que os cidadãos elegem os seus dirigentes e por eles se tornam dominados em alguns ou muitos aspectos. Produzido e protagonizado por Ricardo Darín, um dos mais célebres atores argentinos, “A Odisseia dos Tontos” (La Odisea de los Giles) foi lançado em 2019 e teve sucesso estrondoso na Argentina.

Com um roteiro atento à inteligência do espectador, diálogos ricos e um elenco de respeito (jovens e veteranos atores), nós, brasileiros, inicialmente hesitamos entre a comédia e o drama, pouco a pouco nos identificando com aquele momento político e econômico do país vizinho, em agosto de 2001, num quase déjà vu.

Aqui, os otários (a melhor definição para a palavra giles, que no Brasil foi traduzido como “tontos”) são sete amigos, liderados por Fermín (Ricardo Darín: (“Um Conto Chinês”, “O Segredo dos Seus Olhos”, “Relatos Selvagens”, “Todos Já Sabem”), que iniciam uma verdadeira odisseia para criar uma cooperativa com o objetivo de reerguer uma fábrica falida, de processamento de grãos.

O grupo, de boa-fé, não tem dinheiro suficiente para a empreitada, mas a ideia de reabrir a indústria vai atraindo outros moradores do bairro, que dão a sua contribuição em dólares, que se somam às economias de outros na caixa-forte de um banco em Buenos Aires. E como os espertalhões de plantão não são exclusividade do Brasil, ao buscar empréstimo bancário Fermín é convencido por um gerente a converter todos os dólares em pesos (moeda argentina), depositando-os em conta corrente às vésperas do chamado “corralito”, plano de emergência da desmoronada economia argentina que confiscou o dinheiro de milhões de poupadores.

Aqui vale um aparte: para leitores de boa memória, em março de 1991 fomos surpreendidos por fato semelhante ao país vizinho, quando o então presidente Fernando Collor de Mello decretou o Plano Brasil Novo (ou Plano Collor), bloqueando o dinheiro de contas correntes e cadernetas de poupança.

Voltando à ”Odisseia dos Tontos”, no momento em que os amigos perdem tudo o que têm –e trazem ao espectador a amargura e desesperança que muitos já viveram cá ou lá–, o filme muda de rumo. A transformação dos personagens é visível e vai muito além da aparência; dando sentido ao slogan “Mexeram com os perdedores errados”, eles passam a canalizar a energia que lhes resta para reaver o dinheiro apropriado indevidamente pelo gerente do banco. Há uma identificação do público com os fortes laços familiares e de amizade que unem o grupo, bem como pela reação diante da injustiça. O espectador se une aos tontos e torce pelo sucesso da sua odisseia. Disponível no Telecine e Amazon Prime.

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MIL VEZES BOA NOITE

Há filmes cujo elenco nos capta a atenção de imediato. “A Thousand Times Good Night”, de 2013, traz Juliette Binoche como protagonista e só por isso já se presumiria ser um bom filme; mas ele supera tal presunção, do início ao fim. Nestas últimas semanas, em que vemos o Talibã retomar o poder no Afeganistão, as notícias e imagens nos são trazidas por jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas que arriscam a própria vida pela profissão que abraçaram.

Assim é Rebecca (Juliette Binoche: “O Paciente Inglês”, “Chocolate”, “A Insustentável Leveza do Ser”), fotógrafa especializada em zonas de conflito, a quem o espectador é apresentado nas cenas iniciais, de grande suspense, acompanhando os preparativos materiais e espirituais de uma jovem nos momentos que antecedem seu destino final de mulher-bomba.

A experiência profissional da fotógrafa, entretanto, não é mais forte do que suas emoções diante de alguém que vai dar fim à própria vida (e a tantas outras) em nome de uma causa, o que a leva a intervir na ação, a caminho de onde deveria ocorrer o ataque terrorista.

As graves consequências da antecipação da explosão fazem Rebecca repensar sua atividade profissional e a vida familiar, com o marido e as filhas exigindo mudanças por não mais suportarem aquela rotina tão arriscada.

Além da beleza cinematográfica, o filme nos traz questionamentos como a ética profissional de fotógrafos e da mídia em geral diante de atos de violência, como a linha tênue entre o fim de uma denúncia e o começo da exploração de imagens, dentre outros.

Disponível no Now, Apple TV e Looke, eis um filme excelente para ver em família (maiores de 12 anos), compartilhar a pipoca e conversar longamente depois da última cena.

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> Séries

O ARSENAL DOS ESPIÕES

Lançada mundialmente pela Netflix em janeiro deste ano, a primeira temporada de “Spycraft” apresenta em oito episódios os diferentes dispositivos de espionagem e sua evolução tecnológica ao longo de 100 anos, em vários países. O espectador tem a oportunidade de conhecer dos primeiros aos minúsculos e sofisticados equipamentos atuais de escuta, o uso do sexo para obter informações, a utilização de venenos fatais e, claro, códigos criptografados da tecnologia da informação nesta era virtual.

Conta, ainda, com a interessante entrevista de um ex-técnico da CIA. Baseada no livro “Spycraft”, de Henry R. Schlesinger, Robert Wallace e H. Keith Melton, a série liga um alarme interno com a pergunta que não quer calar: será que estamos sendo espionados neste momento em que eu escrevo e você lê?!?

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THE GOOD WITCH

Esta é mais uma série leve, para maratonar no fim de semana com a família. Os personagens e suas histórias se cruzam na simpática e pacata Middletown (americana, no enredo, mas filmada em Ontário, no Canadá). Ali, todos se conhecem, frequentam o mesmo restaurante, os jovens estudam e se apaixonam na única escola local, os policiais são amigos da comunidade e atuam diretamente subordinados à engraçadíssima prefeita Martha Tinsdale (Catherine Disher: série “The Border”, filme “Até Que a Vida nos Separe”).

Ah, sim, na loja esotérica “Bell, Book & Candle”, da protagonista Cassie Nightingale (Catherine Bell: “The Good Withch” –filme de 2008, “Em Casa Para o Dia de Natal”, “Todo Poderoso”), moradores e turistas compram de quase tudo: presentes, artigos de decoração, acessórios finos e até poções misteriosas, preparadas pela “Boa bruxa” Cassie. Viúva, ela mora numa casa –que também é pousada– com a filha adolescente Grace (Bailee Madison: “A Week Away”, “Relações de Família”), que começa a despertar seus dons intuitivos.

Elegante e de voz suave, Cassie é amiga de todos, guarda um olhar intrigante e sempre tem uma frase pronta para reflexão de quem a procura. Logo no início da série, novos vizinhos mudam para a casa ao lado: o charmoso e estressado médico Sam (James Denton: série “Desperate Housewives”, filmes “Presos no Paraíso”, “Segredos do Poder”) e seu único filho Nick (Rhys Matthew Bond: “Deadly Exchange”), adolescente e mal-humorado, que preferia continuar morando com a mãe em Nova Iorque. A partir daqui, pequenos dramas, muita pipoca e diversão em cinco temporadas disponíveis na Netflix!

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> Tila Pinski é jornalista (MTb 13.418/SP), atua como redatora e revisora de textos, coordenadora editorial e roteirista. Cinéfila, reside há nove anos na Vila Ema.