Há muitos anos, quando contei que tinha me mudado para a Vila Ema, um cliente, depois amigo, que era gerente na Johnson & Johnson, me respondeu que era um bairro em que gostaria de morar. E comparou a Vila Ema com, se a memória não me falha, o Cambuí, em Campinas, de onde ele veio.
As pessoas gostam de morar nesses bairros da região central de São José porque a grande maioria deles tem uso misto, ou seja, casas se misturam com apartamentos, que se misturam com clínicas médicas e laboratórios, que se misturam com prestadores de serviços, que se misturam com restaurantes, bares, supermercados e lojas comerciais.
Aposto que, se você mora em um desses bairros, já ouviu ou já disse a velha frase: “Gosto daqui porque aqui tem de tudo”. E é verdade. Dá até para afirmar que um morador desse centro novo da cidade pode passar meses, até anos, sem precisar sair da sua região para consumir ou se divertir.
A minha rotina é um exemplo disso. Em um raio que não passa de 700 metros do meu condomínio, saio de casa a pé, passo no supermercado, na farmácia, na loja de materiais elétricos/hidráulicos do Manoel e seus filhos, aparo a juba branca no mestre Jaime Alves, compro uma boa massa de lasanha na tradicional Casa de Massas da família Rovella, vejo como estão os preços no açougue do também tradicional Amaral e seus filhos, e por aí vai…
Terminada a obrigação, vem a diversão. Quando posso –não é o caso nestes dias devido a um forte resfriado que detonou a minha garganta–, vou tomar umas brejas no Chaparral do Paulinho e outras brejas no bar que a Maria está tocando dentro da Savema, a nossa sociedade de amigos do bairro; ou vou ainda ao Cabana, já na “fronteira” com o Jardim Maringá. Antes disso, já passei, só olhando, pelos “points” do Espetinho da Ema e B&B Drinks, que atraem tanta gente que chegam a atrair também a ira de alguns moradores mais exaltados com o barulho e a ocupação das calçadas nas noites de fim de semana.
Veja bem, faço tudo isto sem ligar o motor do carro. Não é incrível?
Mas as vantagens desses bairros mistos não param por aí. Ao contrário daqueles condomínios horizontais fechados e de alguns condomínios de apartamentos mais sofisticados, os moradores da região central estão o tempo todo “trombando” uns com os outros, interagindo, desejando bom dia ou boa tarde, trocando informações, se ajudando mutuamente. Enfim, vizinhos, comerciantes, profissionais liberais etc. passam a se conhecer a cada dia melhor. E isso costuma ser bom para todos.
Esta história de vizinhança me faz lembrar a experiência vivida por minha mãe, uma velhinha de 88 anos que foi morar, junto com meu irmão, em uma casa superconfortável escondidinha em um condomínio de poucas unidades, cercado de verde por todos os lados, lá pelas bandas rurais de Caçapava. Sabe aquelas casas com jardim na frente e sem muros ou portões? Essas.
Os parentes que visitavam o local pela primeira vez não economizavam pontos de exclamação nos comentários: “Que maravilha!”, “Não se ouve um pio de barulho!”; “A senhora merecia esse sossego na sua melhor idade!”; “Aqui, dá pra esquecer o mundo lá fora!”, diziam.
Só que não. A velhinha bem que ficou entusiasmada com os primeiros dias, o primeiro mês. A partir daí, quem ia fazer visita parecia que estava indo ver uma pessoa no exílio. Os vizinhos nem se viam, muitos usavam as casas só para fins de semana, pois moravam em São Paulo e outras cidades grandes.
Até que a dona Cida deu o seu grito de independência:
– Eu não aguento mais essa solidão! Quero sair daqui e ir morar em um apartamentozinho o mais próximo possível de vocês!
Pois é, o que todo mundo imaginava que seria uma benção para minha mãe, na verdade quase provoca uma depressão profunda na mulher. Ela acabou descobrindo que toda aquela paz era também um isolamento que ela não suportava mais.
Pouco mais de um mês depois do “ataque” da dona Cida, ela e meu irmão passaram a morar aqui na região, onde a velhinha vai ao supermercado Villarreal ou ao Kitandinha quando bem entende, frequenta a feira livre das sextas-feiras, dá uma parada na banca –que um dia foi chamada de banca de jornais, mas que não tem mais jornais– para comprar suas palavras cruzadas e caça-palavras e, o mais importante, recebe visitas constantes da bisneta de quase 7 anos e de outros familiares. Tem mais: de uns dois meses para cá, começou a fazer musculação duas vezes por semana em uma academia do bairro. Está remoçada e feliz da vida!
Esta história só reforça a minha convicção de que nós precisamos interagir com outras pessoas, fazer amizades, conhecer os personagens folclóricos do bairro, fazer uma fofoquinha de vez em quando… Resumindo: nós precisamos viver.
É claro que ninguém merece vizinhos tóxicos, comércios que violam as leis e perturbações constantes ao sossego da maioria. Mas isso se resolve com muita conversa, apelos e, na sequência, Prefeitura e polícia. No mais, esses dias claros e ensolarados nos convidam a uma outra exclamação:
– Eta lugarzinho bom de viver!
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.
*Texto atualizado às 11h04 do dia 19/7/24 após revisão ortográfica e de estilo.