A leitura dos portais de notícias e sites de jornais nestes últimos dias vai deixar uma constatação clara para quem reunir vários acontecimentos e tentar analisá-los: os problemas do Brasil nunca estiveram tão próximos do crime organizado e das delegacias de polícia.
Vou relatar aqui uns poucos casos, ocorridos tanto em São José dos Campos quanto em outras localidades do país:
– Em São José, onde as chamadas “forças de segurança” finalmente começaram a agir em relação aos rachas praticados nas avenidas centrais, um dos detidos, mal saído da adolescência, identificou-se como empresário, influencer e proprietário de um valioso carro esporte que os pobres mortais nem sonham em poder ter mesmo que trabalhem a vida inteira só para isso. O rapaz aproveita tanto as oportunidades de “engajamento” que registrou a própria prisão em vídeo e a publicou nas suas redes sociais.
– Uma “adevogada” e influencer conhecida por Deolane foi presa junto com sua mãe lá no estado de Pernambuco sob acusação de lavagem de dinheiro e envolvimento com jogos de azar. O “Fantástico”, da TV Globo, revelou nesse domingo que Deolane abriu uma bet com capital de R$ 30 milhões em julho desse ano para lavagem da grana. Além da prisão, Deolane, sofreu bloqueio de R$ 20 milhões de contas pessoais e R$ 14 milhões da conta da empresa dela. A advogada conseguiu um habeas corpus e deixa a prisão nesta segunda-feira –com tornozeleira–, enquanto a mãe continua presa. A defesa de Deolane diz que sua fortuna foi conseguida com “publicidades”.
– Na política, um dos candidatos a governar os mais de 12 milhões de habitantes de São Paulo, uma das cidades mais importantes do mundo, tem sido acusado de envolvimento com o crime organizado via assessores ou líderes do partido que o apoia. Além disso, Pablo Marçal já foi condenado a quatro anos e cinco meses de prisão por participação, aos 18 anos de idade, em uma organização criminosa que invadia contas bancárias pela internet. Ele só não cumpriu a pena porque a condenação prescreveu em razão da demora do tribunal em apreciar o caso. Detalhe: é o candidato mais rico à prefeitura de São Paulo, com fortuna de R$ 169,5 milhões declarada ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Os casos são inúmeros e quase diariamente são divulgados na imprensa. Normalmente são divididos em dois grupos de autores: influenciadores digitais e políticos. Longe de mim dizer que são todos ladrões, quadrilheiros e paus mandados das facções criminosas. Não é isso. Os criminosos são uma minoria nos dois grupos. O fato grave é que esses criminosos têm convivido a cada dia mais impunemente entre influencers e políticos sérios, como se nada estivesse acontecendo.
Vamos mais longe. Que tal o futebol, essa modalidade esportiva que atrai multidões e desperta paixões? Basta ler as marcas dos patrocinadores principais nas camisas dos clubes. Quase todos estão sendo sustentados por bets, empresas que promovem apostas nos resultados das partidas. O que exibem de ganhos milionários com a atividade, escondem com a pouca transparência do negócio.
Na política, que ainda vive uma polarização absoluta na luta pelo poder, muita gente tem fechado os olhos para coisas perigosas que estão acontecendo. Em São Paulo, fala-se de licitações dirigidas; em várias cidades, ligam-se nomes de políticos com os interesses de facções. Bem próximo de nós, em Mogi das Cruzes, recentemente veio a público uma investigação sobre o interesse de uma fação criminosa financiar e eleger um candidato local e outros em Santos André, Ubatuba e outras cidades. As buscas foram realizadas em 15 municípios, entre eles São José dos Campos. Até o momento foram presas 13 pessoas e apreendidos sete veículos de luxo, três armas de fogo, munições, telefones celulares e eletrônicos e dinheiro.
Você pode dizer que crimes sempre existiram no Brasil, que a classe política nunca foi santa, que o ser humano não tem jeito mesmo, enfim, que isso acontece desde que o mundo é mundo. Discordo. Desta vez, as organizações criminosas estão se aproximando muito perigosamente das instituições públicas, do esporte de massa, do lazer, a ponto de gente que não tem cara de bandida –qual seria essa cara?– se apresentar como abençoada por Deus com fortunas inimagináveis.
O grupo dos políticos tem resposta pronta para tentar se livrar das investigações: “é perseguição de adversários”; “ninguém provou nada”; “isso é coisa da imprensa lixo” etc. Os influenciadores digitais têm uma explicação mais singela ainda: “ganhei tudo com publicidade”.
Penso que o país está em um momento crítico para separar o certo e o errado, sabendo que esta é uma tarefa que não tem fim e que, por isso mesmo, deve ser contínua. Como se faz isso? Dando apoio às instituições organizadas, como Justiça, Polícia Federal, polícias estaduais e outros órgãos de controle da atividade política e econômica. É evidente que apoiando também o direito de todos os acusados a ampla defesa com respeito total à legislação.
Mas tem uma outra atitude que nós, sociedade, podemos tomar em relação a essas fortunas que vêm do nada e tornam o hábito de trabalhar duro como coisa de gente estúpida. Nós podemos associar publicamente o nome desse pessoal influencer com as grandes empresas que pagam pela “publicidade” que eles dizem fazer. Imagine, neste momento, relacionar publicamente todas as empresas das quais a “adevogada” Deolane é garota-propaganda em vez de enfiar a cara nos códigos do seu trabalho na área do direito.
É preciso mais transparência nesse negócio. É hora de o Brasil se limpar desse excesso de sujeira que está gerando milionários, até bilionários, que têm os cofres cheios, mas as mãos sujas.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.
*Texto atualizado às 9h30 do dia 10/9/24 para revisão ortográfica e de estilo.