− Ei, tio, tem um dinheirinho aí? Perguntava sempre um senhor humilde, esmoleiro pontual à entrada da feira. Quando tinha eu dava uns trocados. Um belo dia surpreendi o suposto mendigo na casa lotérica ali na Vila Ema, com um catatau de volantes, fazendo sua fezinha semanal. Também com o meu dinheirinho.
Um dos meus prazeres recorrentes em São José dos Campos às sextas-feiras –muito além do tal “o bom é morar” aqui– é ir à feira na região da Vila Ema, já tendo frequentado outras. Isto seja para comprar mesmo algumas verduras, frutas e queijos, seja para ver as pessoas, amigos ou não, desfrutar de um contato popular, incluindo um pastel ou um rolinho primavera bem degustado.
Não são só coisas do interior, esse costume existe –ou existia décadas atrás– na capital de São Paulo onde cresci. Feiras magníficas, aliás, muito extensas, fartura de produtos e uma cantoria interessante daqueles descendentes de italianos, a dar um colorido especial àquela excursão pelas barracas dos feirantes entusiasmados.
Embora mais modestas, o fato é que as feiras de São José, a nossa cidade −dos nascidos e dos adotivos como eu−, têm um sabor especial, transcendendo a um local de compra. Como de resto em feiras do Brasil ou do exterior, como na França. O francês médio tem especial gosto por fazer a feira, atrás de produtos frescos de cada região, dando relevância à boa comida.
Já comentei que prolongo sempre essa feirada com uma incursão para comer um bolinho caipira no centrinho da Vila Ema e −também sou filho de Deus− fazer a minha fezinha na loteria, espécie de brincadeira com a sorte extremamente improvável.
Voltando ao esmoler, pergunto: onde está o pedinte apostador? Faz meses que não o vejo, sumiu.
A primeira hipótese, piedosa, é que o coitado ficou doente e não consegue nem exercer seu lucrativo mister. A segunda, já um bocadinho maldosa, delirante, supõe ter ganhado o prêmio grande, dado à grandeza de suas apostas, colocado a grana no bolso, comprado casa em condomínio fechado, carrão de luxo, enfim, como se diz: estourou a boca do balão!
Uma alternativa mais realista pode ser que tenha achado outro ponto mais vantajoso. Será? Curiosas são essas lendas urbanas, do mendigo rico, das pedintes velhinhas de porta de igreja milionárias, donas de casas de aluguel ou vilas. Escuto isso desde a infância, em São Paulo.
Em Campos do Jordão, vem-me à lembrança que durante anos diziam isso de um senhor simpático que vendia queijadinhas de coco, muito gostosas, no Capivari, em volta do notório Baden-Baden. Falavam que ele era rico e tinha até um filho que estudava no exterior. Vendia muito, sobretudo a turistas.
Essa estorinha nunca me convenceu, pois não é minimamente crível que um vendedor ambulante de quitanda ou de tabuleiro, abordando as pessoas na rua, sujeito às intempéries e ao frio, ouvindo muitas vezes malcriações, seja uma pessoa de posses!
Não era. Isso ficou desmentido anos atrás, pela imprensa, não sendo o cidadão nem mais visto. Espero que esteja bem.
Como assim o desejo ao nosso esmoleiro apostador, pessoa claramente carente e que merece nossa atenção e ajuda. Já influenciado por esse espírito estimulante de oração e conversão da Quaresma, veio-me à mente uma preocupação nesta última sexta-feira:
Cadê o mendigo da feira da Vila Ema?
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.