O líder nacional da oposição no Brasil, Ulysses Guimarães (centro), durante comício eleitoral em São José no final da década de 70. À esquerda, o então deputado estadual Robson Marinho e, à direita, o deputado federal Joaquim Bevilacqua. Foto / Autor desconhecido/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Pois é, minha gente. O período de campanha para as eleições de outubro começou oficialmente na manhã desta terça-feira, 16 de agosto. Nos próximos 47 dias, milhares de candidatos a deputado estadual, federal, senador, governador e presidente da República estarão pedindo o voto dos eleitores.

Eleição não é novidade no Brasil, mas o que muda com o decorrer do tempo são as regras do jogo para a escolha dos eleitos e as estratégias dos candidatos para chegar até o eleitor. Nesse segundo caso, vamos ser sinceros: a cada eleição que passa a campanha é mais chata e menos transparente quanto à capacidade dos candidatos.

Eu me lembro das primeiras campanhas que vi, ainda criança, lá em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. A alegria das crianças era percorrer os comitês dos candidatos em busca de brindes. Era só chegar e sair com adesivos de tamanhos variados, daqueles que tinham um cheiro de tinta ou alguma outra química que faziam a gente passar um tempão com eles encostados no nariz.

Tinha também caneta, lápis, régua, copo, calendário, chaveiro, flâmula, caneca e mais um sem número de agrados aos votantes. Não podiam faltar, é claro, as carteiras plastificadas para colocar dentro o título de eleitor. Depois de fazer a coleta nos vários comitês, as crianças iam para casa e entregavam aos pais o que não tinha serventia para elas. Esse era um dos caminhos para o candidato chegar até o eleitor.

Mas isso era a estratégia do dia a dia. Algumas vezes durante as campanhas –que pareciam interminavelmente mais longas que os 47 dias atuais– aconteciam os momentos mais importantes, talvez até decisivos, da corrida pelo voto: os comícios eleitorais.

Era quando os candidatos tinham que se apresentar ao eleitor de cima de um palanque, com microfone em punho, roupa de “missa” e tentar convencer no gogó o cidadão a votar nele. Ou seja, era “a hora da onça beber água”, quando um candidato podia sair consagrado do comício ou ficar desmoralizado por um bom tempo. Os piores eram alvo de gozações eternas, ganhavam apelidos jocosos e, se não tivessem muita personalidade, se mudavam para bem longe daquele “povo ingrato”.

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Pérolas do folclore político

Aqui em São José dos Campos e em Caçapava –onde morei por cerca de cinco anos–, aos poucos fui tomando contato com as histórias dos antigos comícios e, ao mesmo tempo, acompanhando os comícios do meu tempo. Primeira lição que aprendi: o tal “povo ingrato” inventava muitas histórias sobre políticos e comícios. Eram histórias –verdadeiras ou realmente fruto da imaginação ou da maldade– tão engraçadas e mordazes que iam mudando de personagens, ou seja, uma mesma história era atribuída a vários políticos. Ainda me recordo de algumas:

> Um candidato a governador que “roubava mas fazia” subiu no coreto da praça da Bandeira, em Caçapava, abarrotada de público, e gritou no microfone algo mais ou menos assim: – É com muita honra que eu venho a esta progressista cidade de Jacareí! –De imediato um puxa-saco cochichou: – Governador, aqui é Caçapava… – Ao que o candidato, que já havia tomado umas, saiu-se com esta: – Não tem importância, é tudo a mesma m…

> Tem também a do mesmo personagem, o que “roubava mas fazia”, que antes ou depois de um comício em São José dos Campos, passou pela casa do seu maior correligionário na cidade para comer e beber alguma coisa e atender eleitores com pedidos diversos. O que se conta é que o candidato, que era famoso por não ser muito fino, foi ao banheiro e, de porta aberta, recebia as cartinhas e ofícios com os pedidos dos eleitores e despachava tudo de lá mesmo, de cima do “trono”.

> Já que estamos falando desse folclórico candidato, continuemos com ele. Adhemar de Barros foi prefeito de São Paulo e governador do estado por dois mandatos nas décadas de 50 e 60 e acabou “demitido” da vida pública pelos generais do regime de 1964. Estava o homem em um comício –ou teria sido uma solenidade oficial?– quando um orador diz que vai falar algumas “poucas palavras” e, em seguida, tira do bolso do paletó um discurso de “improviso” com várias folhas cheias de letrinhas. O governador não teve dúvidas: imediatamente agradeceu ao orador, tomou a papelada das suas mãos, enfiou em um bolso do seu paletó e o tranquilizou: – Pode deixar que eu leio tudo na viagem de volta a São Paulo!

> Para finalizar e trazer essa conversa para uma época um pouco mais atual, não custa lembrar a frase atribuída ao ex-governador Mário Covas em resposta ao orador logo depois de ter sido obrigado a suportar um interminável palavrório: – Eu costumo separar os discursos em dois tipos, os bons e os longos! –disparou Covas, justificando perfeitamente o seu explosivo sangue espanhol.

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Momentos decisivos

Além do folclore em torno dos comícios –os bêbados atrapalhando os políticos mereceriam uma crônica à parte–, era nos comícios que muitas vitórias começavam a se transformar em derrota, ou vice-versa. Era quando a população fazia o seu próprio “Datafolha” e tirava uma conclusão quanto às chances dos candidatos.

Pouco público? Mau sinal. Candidato gaguejando e falando bobagens? Não tem competência. Palanque modesto e material pobre de campanha? Ninguém está confiando nesse sujeito. Arrancou aplausos e vivas do público? É candidato forte. E assim por diante.

Na campanha eleitoral de 1976 em São José –me contaram, só cheguei aqui no final de 77– o então candidato a vereador Francisco Ricci, que era responsável pela antiga guardinha mirim da cidade, aparece todo estropiado e cheio de curativos no principal comício da campanha, a poucos dias da eleição. Conta-se que Ricci sofreu um sério acidente de carro e subiu no palanque mesmo sem se recuperar totalmente. Resultado: ganhou a solidariedade do eleitor e foi o vereador mais votado daquela eleição.

Os comícios em São José não eram fracos, não. A partir da eleição de 1974, quando o povo resolveu dar uma “surra” nos candidatos da Arena –o partido do regime militar– e despejou seus votos em nomes da oposição abrigada no MDB, a cidade elegeu Robson Marinho para deputado estadual e Joaquim Bevilacqua para federal e tornou-se um importante reduto oposicionista.

A partir daí, era comum o joseense receber em comícios e outros eventos políticos celebridades como Ulysses Guimarães, presidente nacional do MDB; Severo Gomes, ex-ministro do governo, depois senador apoiando a oposição; o já citado Mário Covas, deputado cassado em 1968, depois prefeito da Capital, deputado federal constituinte, governador, senador, candidato a presidente em 1989; Franco Montoro, líder da oposição, também ex-ministro, primeiro governador eleito pelo MDB em São Paulo, em 1982, ainda no período militar; Fernando Henrique Cardoso, candidato a senador e depois presidente da República por dois mandatos; e muita gente mais, entre deputados, senadores, governadores e presidentes da República.

Falando em celebridades, vou terminar esse saudosismo em relação aos comícios eleitorais com uma lembrança de 1982 que me veio agora à mente. Tudo aconteceu na praça Cândido Dias Castejón, em frente à Faculdade de Direito da Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), hoje Univap, onde aconteceria um comício para eleger Franco Montoro governador de São Paulo.

Ao mesmo tempo que o povo começou a ocupar a praça, começaram a chegar políticos e apoiadores que a gente só via pela TV. Alguns: o próprio Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso, Orestes Quércia, Robson Marinho (que era candidato a prefeito de São José no mesmo ano) e artistas como a atriz Christiane Torloni e, se não me engano, Bruna Lombardi.

Foi quando se abriu a porta de um automóvel preto, talvez um Opala Comodoro que os políticos da época usavam, e sai de lá um Gianfrancesco Guarnieri, dramaturgo e ator respeitadíssimo na época. Guarnieri, o autor da peça “Eles Não Usam Black-tie”, saiu do carro como se não soubesse muito bem onde estava, tentou dar alguns passos, mas pelo jeito havia começado a bebemorar a vitória de Montoro antes mesmo da eleição. Cambaleante, voltou para o carro e sumiu…

Políticos e povo na rua: o então prefeito Joaquim Bevilacqua (embaixo à esquerda) com políticos e simpatizantes, misturado ao povo, provavelmente no ano de 1978. Foto / Autor desconhecido/Reprodução

É como eu digo. Comício era comício. Tudo ao vivo, sem maquiagem. Muito diferente do que vamos ver agora. Hoje, tem candidato que pode se eleger sem abrir a boca nas ruas, sem ficar cara a cara com o eleitor, tudo produzido por equipes bem pagas, tudo distribuído pelas mídias sociais, tudo maquiado. Pior ainda, eleitor. Você corre o risco de não ver um só debate com todos os principais candidatos a presidente da República presentes ao mesmo tempo.

Que saudade dos comícios…

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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> Texto atualizado às 10h02 do dia 17/8/22 para revisão ortográfica e de estilo.