Imprensa é assim. Você começa a semana achando que, com exceção da triste tragédia cotidiana da covid-19 em todo o mundo, com requintes de crueldade no Brasil do meio milhão de mortos, tudo está meio morno, mais ou menos tranquilo.
Aí, de onde você menos espera, lá de Guaratinguetá, estoura um petardo de arrasar quarteirões com os ecos atingindo o país inteiro. O nosso presidente da República, o notório senhor Jair Messias Bolsonaro, esquece o Lexotan no palácio e decide ser mais Jair do que presidente.
E quem ele escolhe para regurgitar o seu também notório ódio pela Rede Globo e, por extensão, por toda a Imprensa que não lhe agrada? Uma repórter da TV Vanguarda. Fala com a repórter como se diante dele estivesse o William Bonner ou um dos cardeais da família Marinho.
Porém, quem estava diante do presidente não era alguém da sua estatura na escala do poder. Era, repito, uma repórter que foi pautada para cobrir o evento, provavelmente teve as perguntas que iria fazer sugeridas pelos seus superiores, mas estava solitária diante do homem que detém o cargo mais importante do país.
Difícil não associar a cena ao conto infantil em que contracenam a indefesa e ingênua Chapeuzinho Vermelho diante do faminto, cruel e insano Lobo Mau. É possível até prosseguir no enredo ficcional e dizer que, assim como na história infantil, o lobo não tinha nenhum interesse imediato em Chapeuzinho, o que ele queria mesmo era comer a Vovozinha.
Ou seja, o lobo Bolsonaro viu uma chance de devorar a vovó Globo, que tem tirado o seu sono. Nesse caso, foi mais cruel ainda porque ofendeu a repórter Chapeuzinho quando o seu grande inimigo era o microfone da Rede Globo.
Melhor voltarmos à Guaratinguetá real e, por que não, a São José dos Campos. E aí vamos tratar de fatos concretos. Em primeiro lugar, para dizer que a repórter Laurene Santos merece todo respeito e, mais do que isto, toda solidariedade possível. Creio que convivi profissionalmente com a Laurene por uns dois anos e sempre percebi nela qualidades de uma boa profissional, correta, interessada e responsável.
Dito isto, ficando isto muito claro, entro na difícil comparação que tive de fazer dela, ao analisar esse triste episódio, com a personagem Chapeuzinho Vermelho. É claro que, com menos de três anos de carreira na emissora – se não estou enganado– sete após a conclusão do curso de jornalismo, cobrir a vinda de um presidente da República deve ter sido o maior desafio de sua carreira até agora.
Mas o desafio da Laurene, que já seria grande em tempos normais, diante de um presidente normal, torna-se quase desumano, insuportável, quando se trata de entrar no mesmo ringue onde se desenvolve a luta feroz Bolsonaro X Rede Globo. Concluindo: a Laurene não merecia isso.
Na sequência, vou ter que entrar em um terreno delicado. Se a repórter não merecia o sofrimento de estar lá, diante da fera, alguém determinou que ela fosse até lá. Ou seja, ela cumpriu ordens da sua chefia.
Não gosto de comentar assuntos de empresas de comunicação. Penso que deve haver um distanciamento, um código de ética que nos faça respeitar a todos –profissionais e empresas– que estão no mesmo barco da chamada “mídia”. Não se trata de corporativismo, mas de ética mesmo. Mas nesse caso vou ter que entrar em seara alheia.
Quem acompanha os passos da afiliada da Rede Globo na região sabe que sempre houve um profissional na equipe chamado de “repórter de rede”, ou algo parecido. Essa posição era ocupada por um dos repórteres mais experientes do time, um dos “mais rodados”, como se fala no jargão da profissão. Na falta desse “número 1”, havia um “número 2” que atendia aos mesmos padrões.
É bom lembrar que cabia a esse “repórter de rede” a cobertura dos assuntos mais importantes, aqueles que tinham chance de subir para os programas jornalísticos de alcance nacional, ou seja, que eram distribuídos para toda a rede de emissoras afiliadas.
Recentemente, por razões que não me cabe analisar, muito menos julgar, porque se trata de decisões empresariais, profissionais bastante experientes acabaram sendo desligados ou desligando-se da empresa. É importante dizer que a equipe continua a ter qualidade e competência, bons chefes, porém perdeu o seu “repórter de rede” que, neste triste episódio, fez muita falta.
Creio que o leitor já percebeu onde pretendo chegar. Ora, como é que a principal rede de tevê do país, uma das maiores e melhores do planeta, entrega a uma jovem repórter –competente, inteligente e com um belo futuro, mas sem a devida “rodagem”–, a ingrata tarefa de “enfrentar” o dono do cargo mais importante da Nação, um homem que tem “sangue nos olhos” quando vê à sua frente aquele logotipo tão conhecido em todo o país.
Pois é, amigos. Faltou enviar a Guaratinguetá uma “vítima” mais graduada, de São Paulo ou mesmo do Rio de Janeiro, para ficar frente a frente com a fera. Na falta de uma decisão desse tipo, ocorreu o que todos vimos e, logicamente, deploramos: o Lobo Mau devorou Chapeuzinho Vermelho.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.
*Texto atualizado às 9h48 do dia 22/6/2021 para ajustar o tempo de carreira profissional da jornalista Laurene Santos.