Foto / Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Muita gente deve conhecer uma antiga anedota que conta como Deus teria criado o Brasil na formação do mundo. Dizia-se que o Pai Eterno nos legou belezas naturais indescritíveis, rios caudalosos, florestas exuberantes, tanta coisa boa que até teria provocado a inveja dos futuros moradores de outros países do planeta. “Querido Deus, por que tantas belezas e privilégios para este lugar?” –teriam reclamado. E o Criador teria sido direto e reto: “Vocês vão ver o povinho que eu vou colocar lá!”

Esqueça esta gozação que nós mesmos fizemos contra nós com uma piadinha boba, mas que tem sobrevivido de geração em geração. Seria o velho “complexo de cachorro vira-lata” criado e imortalizado pelo grande dramaturgo Nelson Rodrigues? Não sei. Acho que nós temos nos afastado desse sentimento de inferioridade ao longo do tempo.

Porém, eu vou cometer aqui a provocação de mudar ligeiramente o sujeito da anedota para encaixar a conversa no meu objetivo. O mesmo e único Deus –agora no meu time– teria sido ainda mais implacável: “Vocês vão ver os políticos que eu vou colocar lá!”

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Tá vendo? Já livrei a maioria da população brasileira e foquei em uma categoria especialíssima de indivíduos: os políticos e as políticas –por que hoje em dia a mulher participa de tudo, para o bem ou para o mal.

Sendo generoso com a classe, a gente poderia até pensar que um político é aquela pessoa que tem jeito para compreender as necessidades da sua região e quer defender os direitos dela. Acho que ainda tem muita gente que pensa e age assim.

Mas, infelizmente, a maioria do que se convencionou chamar de “classe política”, transformou-se em uma grande corporação que trabalha pelos seus próprios interesses e dá uma “esmola” para os seus representados. É como um investimento: os políticos ficam com o capital e distribuem parcos dividendos entre os eleitores.

É impossível pensar de forma diferente quando você vê a manada de deputados e senadores investindo para dominar verbas e cargos públicos para os mais diversos fins. Eles querem mandar em tudo, absolutamente tudo. Se o governo vai furar um poço, querem que seja onde eles mandam; se vai dar vacina, que seja nos braços e bumbuns que eles carimbarem; se vai pingar colírio, que seja nos olhos dos seus eleitores…

Tenho visto esse espetáculo horroroso neste governo do presidente Lula. Acho que o governo tem proposto coisas boas. Mas, como estamos em uma democracia, até as coisas boas precisam ser aprovadas. E aí, na aprovação, é que mora o perigo. Todos querem tirar uma casquinha e levar vantagem.

A tal reforma tributária do governo de Lula é um exemplo interessante. Ao mesmo tempo que altera os impostos no Brasil, visando uma simplificação do complicado sistema que tem vigorado há pelo menos 50 anos, ela gera uma grande corrida da classe política em busca de vantagens para aprovar a mudança no Poder Legislativo.

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Aí voltamos ao início desta prosa quando modifiquei a piada tradicional para dizer: “Vocês vão ver os políticos que eu vou colocar lá!”. Pois é. Esses mesmos políticos que dizem que vão te ajudar, são os responsáveis pela explosão de gastos para aprovar qualquer projeto de prefeitos, de governadores e do presidente da República.

Acredite, é isto mesmo. Todo mundo quer ganhar para dar um votinho a favor de um projeto qualquer. Então, uma obra que custaria, digamos, 1 bilhão de reais, quando chega para ser aprovada por vereadores, deputados estaduais, federais e senadores, cria despesas absurdamente maiores para os cofres públicos.

E o pior é que essa gente toda está se metendo aonde não foi chamada. Sabe por quê? Na Constituição Federal, a divisão de tarefas entre os Poderes diz mais ou menos isso: o Executivo faz, o Legislativo propõe e fiscaliza, enquanto o Judiciário é o árbitro desse jogo perigoso.

Mas o Brasil virou uma bagunça. O Poder Legislativo tem muito a ver com a crise política atual. A maioria de seus representantes se esqueceu das funções que a Constituição deu ao Legislativo e querem ser “donos de obras”. Aqui mesmo em São José dos Campos chegamos a ter vereador “inaugurando” obra pública dizendo que era dele.

Lá em Brasília, até presidente da República sofre. Não é só o Lula. Bolsonaro sofreu, Temer sofreu, Dilma sofreu e assim por diante. É quando um presidente consegue aprovar algo importante e a imprensa publica no dia seguinte quanto custou “a mais” para aprovar o projeto. São as famosas “emendas parlamentares” que o Legislativo empurra goela abaixo do Executivo. Isso é inadmissível. Isso se chama “custo Brasil”. Isso se chama venda de voto. Isso se chama, no popular, pouca-vergonha.

No dia em que o Brasil for um país viável novamente –será que já fomos viáveis um dia?–, os Poderes da República serão independentes e equivalentes entre si. O Executivo vai fazer, o Legislativo vai fiscalizar e propor e o Judiciário vai dirimir os conflitos dos dois poderes anteriores.

Enquanto isso não acontecer, o povo vai assistir a esse balcão de negócios em que se transformou a aprovação de projetos do Executivo lá no Legislativo.

Chega de pilantragem, por favor.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.

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