Foto / Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Juan Gelman

 

hoje chove muito, muito,

dir-se-ia que estão a lavar o mundo.

o meu vizinho do lado vê a chuva

e pensa em escrever uma carta de amor

uma carta à mulher com quem vive

e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele

e se parece com a sua sombra

o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher

entra em casa pela janela e não pela porta

por uma porta entra-se em muitos sítios

no trabalho, no quartel, na prisão,

em todos os edifícios do mundo

mas não no mundo

nem numa mulher

nem na alma

quer dizer

nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim

como hoje

que chove muito

e me custa escrever a palavra amor

porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa

e só a alma sabe onde as duas se encontram

e quando

e como

mas que pode a alma explicar

por isso o meu vizinho tem tempestades na boca

palavras que naufragam

palavras que não sabem que há sol porque nascem

e morrem na mesma noite em que ele amou

e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá

como o silêncio que existe entre duas rosas

ou como eu

que escrevo palavras para regressar

ao meu vizinho que vê a chuva

e à chuva

ao meu coração desterrado

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Juan Gelman foi poeta, jornalista e tradutor. Nasceu em Buenos Aires (Argentina) em 3 de maio de 1930 e morreu em 14 de janeiro de 2014 na Cidade do México. É um dos mais importantes poetas da Argentina das últimas décadas, vencedor do Prêmio Cervantes em 2007. Fonte: Wikipédia

 

> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.

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