Li certa vez que a condição humana não importa a ninguém que não seja filósofo, poeta, escritor, cineasta ou artista. Não é relevante para quem tem de enfrentar a vida, o mal-estar na civilização, como tratou Freud. Deixando de fora as religiões, observei ao longo dos anos que algumas pessoas acreditam até ser melhor investir no autoconhecimento, aprender algumas verdades básicas da vida e depois crescer, em três dimensões diferentes: primeiro em direção de si mesmas; depois para o lado, rumo ao próximo; e principalmente para cima, em direção a Deus. Não inventei isto, apenas reproduzo o que garimpei alhures, ao longo dos anos.
Interessante. Porém não vejo exatamente assim. A tal condição humana para mim importa muito, sem prejuízo de tal praticidade estilo autoajuda. É a perplexidade que assusta o homem quando adquire consciência da realidade e reflete sobre si mesmo: Quem sou eu? Para que fui criado? Há algum propósito nisto? Vou morrer um dia, que horror! Existe vida após a morte? Deus existe? Se não existe, posso fazer o que quiser? Devo obedecer a regras morais? Quais regras morais? Há regras morais universais? E o outro incontrolável, o subconsciente? Freud não bagunçou tudo? Para onde caminha a humanidade?
Enfim, indagações fundamentais para que se passe a filosofar, ainda que humildemente. E se veja a vida sob outros ângulos. Filósofos já tentaram e responderam mesmo a tais indagações. Eu modestamente tenho cá comigo algumas ideias, talvez não com muita originalidade nem bem articuladas.
Mas não é apenas a filosofia que me encanta. Também a literatura, a poesia, a prosa, as grandes obras literárias, os grandes escritores e poetas, cujo universo incrível está à espera de milhões e milhões de leitores que pouco ou nunca leram nada! Quanta beleza, quanta sabedoria, quantas verdades, sobretudo um sem número de indagações instigantes para nos levar a reflexões sobre a vida e toda a sua complexidade.
Como exemplo notável, cito um gigante literário: Shakespeare. Nosso querido Machado de Assis. E os poetas, ah, os poetas: Fernando Pessoa é um dos meus preferidos; sem esquecer nosso querido Carlos Drummond de Andrade, para ficar aqui em casa. Há centenas ou milhares. A literatura, na verdade, é um encanto só para aqueles que a descobrem.
A condição humana –aquilo que caracteriza o homem na sua vida efêmera e precária, com os seus temores diante da vida, como o medo do sofrimento, da morte e da solidão, com suas misérias, em contraste com seu viver destemido, suas virtudes, sua boa interação com o próximo, sua constante reflexão, sua incansável busca pelo conhecimento e também sua paixão pela beleza, enfim, tudo em contradição– é um prato cheio para os literatos, graças a Deus!
Assim é que admiro a filosofia e a literatura por cuidarem desse tema que para nós, simples mortais, se para nada servissem, bastariam para atenuar a crueza da realidade. No entanto, não compartilho as ideias dos pessimistas, que me desculpem eminentes autores. Vejo o evoluir e o destino da humanidade com muito otimismo, com olho na História, procurando não ser ingênuo. Como vejo aqui o Brasil com um bom futuro pela frente, e que avança, ao contrário do que pensam muitos.
Falemos um pouco sobre a ética, para exemplificar. Li recentemente obra de ilustre filósofo e escritor brasileiro que diz não acreditar no crescimento ético da Humanidade. Ouso discordar. Entretanto, parece-me evidente a longa distância que nos separa da ética dos povos da antiguidade greco-romana, só para ficar nela. Imagine só um pouco o leitor, que estudou História, o que era a criança para os gregos ou para os romanos? Praticamente propriedade dos pais, que podiam descartá-la logo após o nascimento. Crianças não eram pessoas na vida civil.
As mulheres, quase nada também, sobretudo as casadas. Nem vamos muito longe, até a extinção pelo Estatuto da Mulher Casada, em 1962, no Brasil, a mulher nesta situação era relativamente incapaz, precisava ser assistida pelo marido em todos os atos e até autorizada a trabalhar –acredite se puder! Punições corporais e até a morte eram direito do pater familias!
No campo da moral sexual, nem é preciso dizer nada. Leia sobre os antigos imperadores romanos, Nero, Calígula, Tibério, para verificar um show de horrores. O Cristianismo veio dar uma virada neste aspecto. A própria Bíblia nos traz a notícia do que significava para a mulher ficar viúva na sociedade judaica; ou ser portador de uma doença contagiosa ou ainda ser deficiente físico.
Depois do Iluminismo, principalmente, cresceu o conceito de individualidade humana, de direitos fundamentais. Embora haja ainda muito desrespeito, a Humanidade não pode e não regredirá nesse aspecto. Melhorou? Melhorou muito, afirmo com a maior tranquilidade, em que pesem as coisas terríveis, como as guerras, holocaustos e violências de todos os gêneros. Mas que perdem para as antigas, muito mais cruéis e constantes. Os seres humanos evoluíram, sim. E irão mais longe.
Outro dia, quando eu falei em acreditar na Humanidade, no ser humano e no seu futuro, alinhavando alguns argumentos, quase fui fulminado pela crítica ácida da minha tia Filoca, que disparou:
– Ora, José, isso que você diz é dar muita importância para a Humanidade, muito pretensiosa a meu ver. Nós, seres humanos, de tão soberbos, esquecemos que não passamos de uma geração esperta de uma genealogia de macacos! Nada mais que isto. O resto é conversa!
Não posso brigar com a querida tia!
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.