De repente, me deparei com um antigo conhecido, na Avenida Nove de Julho, em São José dos Campos, que logo foi despejando pessimismo:
− O mundo está perdido, doutor! É tragédia de inundação, furacão, vulcão no mar, deslizamento de morro, terremoto, maremoto! Que tristeza! Não tenho mais motivo para ficar alegre!
Ouvi e falei algumas vagas palavras de dissuasão, o companheiro estava parecendo mais negativo que a tia Filoca! Incorporou a velha, para o mal dos meus pecados. Só que não tinha os quase cem anos dela!
A coisa não é bem assim, ponderei. E mesmo que fosse, caberia a alegria em meio às repetitivas tristezas, como já anotei em crônica. Aliás, na antiga revista “Seleções do Reader´s Digest” havia sempre a estimulante coluna “Rir é o melhor remédio”.
Beleza e alegria verdadeiras são o que não falta nesta próxima festa de Corpus Christi, que é sempre celebrada sessenta dias depois da Páscoa e tem como culto a eucaristia, a comunhão, explique-se. Um dos temas centrais do catolicismo, em que se recebe o corpo de Jesus pela hóstia. Sua instituição se deu na Idade Média, na Bélgica, se espalhando por outros países, tornada oficial pelo papa no ano de 1264 e trazida ao Brasil por açorianos.
Aqui tem uma festa bonita, em muitas cidades, por meio de tapetes coloridos, com o tema da eucaristia, enfeitando as cidades por caminhos de tapetes floridos e outros materiais, por onde passa a procissão. Remetem-nos à acolhida de Jesus na sua entrada triunfal em Jerusalém, os tapetes são para Ele, cujo corpo foi oferecido para nossa salvação.
Lembro-me com saudade dos tapetes magníficos, do tempo do famoso padre João, nas décadas de 1960-70, quando os prefeitos ainda não implicavam com o fechamento do trânsito para a festa religiosa e bem popular. As ruas Quinze de Novembro, Siqueira Campos, Sete de Setembro, Sebastião Hummel, até a Coronel Monteiro, aquela que hoje tem o bar concorrido.
Caminhos, diga-se, eram feitos de flores, cascas de ovo, borra de café, serragem, sal −coloriam não sei como− com figuras a lembrar o sacramento, como pombas, símbolos do Espírito Santo, nossas senhoras coloridas, cordeiros, hóstias, enfim, as figuras relativas à celebração religiosa.
No Sanatório Vicentina Aranha, agora parque municipal, desde a década de 1940 pelo menos, os doentes faziam um magnífico tapete em frente ao hospital, que atraía a atenção dos joseenses todo feriado de Corpus Christi. Chegavam a fazer cestas com exuberantes cachos de uvas. Dava gosto de ver!
Hoje, quem passa ali não imagina a alegria dos tuberculosos em tratamento naquele hospital, um alívio para os tormentos da então incurável moléstia. É a salvadora alegria se intrometendo em meio às tristezas, para refresco da vida, que o companheiro negativo não conseguia compreender.
Recordo-me com carinho da última vez que fomos a São Luiz do Paraitinga para ver o tapete fenomenal subindo a ladeira, em meio ao belo casario do século dezenove. Até a tia Filoca se dignou a vir até São José para ver os tapetes, querendo ir também à vizinha Caçapava, célebre na região por ter lindos enfeites, para depois soltar a pérola:
− Olhe, eu já participei muito na montagem desses tapetes, no meu tempo de moça em São Paulo e Itu. É uma trabalheira danada, gente! Toda essa canseira pra depois uns padres marmanjos e umas carolas pisarem sem dó nos desenhos. Nunca compreendi como se faz uma beleza para depois ser destruída tão depressa. Ficava com uma raiva…
Tia, é a tradição religiosa, não mera arte popular…
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.