Conflitos no campo tiveram aumento de mais de 10% em 2022 em relação ao ano anterior. Foto / Polícia Federal/Divulgação

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Dados da Comissão Pastoral da Terra apontam que Amazônia é o principal foco de disputas; além disso, quase 40% das pessoas assassinadas nesses conflitos no ano passado eram indígenas

 

DA AGÊNCIA BRASIL*

Em 2022 foram registrados 2.018 casos de conflitos no campo, envolvendo 909,4 mil pessoas e mais de 80,1 milhões de hectares de terra em disputa em todo o território nacional, o que corresponde à média de um conflito a cada quatro horas.

Os dados constam do relatório anual sobre violência no campo divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) na segunda-feira (17). Esses números indicam aumento de 10,39% em relação ao ano anterior, quando houve o registro de 1.828 ocorrências de conflitos rurais.

Essas ocorrências abrangem não apenas as disputas específicas pela terra, mas também disputas por água, trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, contaminação por agrotóxicos, assassinatos, mortes e outros casos de violência.

“Nos últimos dez anos, só em 2020 tivemos um número geral de conflitos maior do que esse, em plena pandemia. Por isso, os números do ano passado são muito graves”, observa Isolete Wichinieski, membro da coordenação nacional da CPT.

Em termos de conflito pela terra, foram 1.572 ocorrências no país. O número representa aumento de 16,70% em relação ao ano anterior. Ao todo, 181.304 famílias viveram diante da mira desse tipo de conflito no Brasil, o que dá 4,61% a mais que o registrado em 2021. Esses números se referem às ocorrências de violência contra a ocupação e a posse e contra as pessoas, além das ações coletivas de ocupação de terras e acampamentos.

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Amazônia sob ataque

Das unidades da federação com índices mais elevados de conflitos por terra, quatro integram a Amazônia Legal. A região concentrou, em 2022, um total de 1.107 conflitos no campo, o que representa mais da metade de todos os conflitos ocorridos no país (54,86%), aponta o relatório. Outro dado indica que, dos 47 assassinatos no campo registrados no Brasil no ano passado, 34 ocorreram na Amazônia Legal, o que representa 72,35% de todos os assassinatos no país.

“A curva ascendente na Amazônia Legal a torna um dos mais graves epicentros da violência no campo na atualidade”, diz a CPT no levantamento. O relatório descreve a região da maior floresta tropical do planeta como “palco de exploração e devastação, criando um verdadeiro campo minado, no qual foram atingidas 121.341 famílias de povos originários e comunidades camponesas em 2022”.

Os dados da CPT também apresentam os principais causadores desses conflitos. No ano passado, os fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências de conflito por terra, seguidos do governo federal, com 16%. Em seguida, aparecem empresários (13%) e grileiros (11%). A principal mudança em relação ao ano de 2021 foi o crescimento da participação do governo federal nos conflitos por terra, que saltou de 10% para 16%.

Vítimas principais

O relatório também mostrou que 38% das 47 pessoas assassinadas no campo em 2022 eram indígenas, o que totaliza 18 casos. Em seguida, aparecem trabalhadores sem-terra (9), ambientalistas (3), assentados (3) e trabalhadores assalariados (3). Além desses, as mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, somam-se ao cenário crítico de vítimas dos conflitos agrários no período.

Entre os assassinatos nesse grupo destacam-se os casos ocorridos em Mato Grosso do Sul, em territórios de retomada dos indígenas Guarani-Kaiowá. Foram seis indígenas vitimados entre maio e dezembro, colocando o estado como o terceiro do país que mais registrou assassinatos decorrentes de conflitos no campo. Três dessas mortes ocorreram em ação de retomada da Tekoha Guapoy, no interior da Reserva Indígena de Amambai.

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Trabalho escravo

O relatório da CPT indica que, ao longo de 2022, foram notificados 207 casos de trabalho análogo à escravidão no meio rural, com 2.615 pessoas envolvidas nas denúncias e 2.218 resgatadas, o maior número dos últimos dez anos. Em comparação ao ano anterior, o aumento foi de 29% no número de pessoas resgatadas e 32% no número de casos.

O levantamento revela que o estado de Minas Gerais concentrou o maior número desse tipo de violência (62 casos com 984 pessoas resgatadas), seguido por Goiás (17 casos e 258 resgates); Piauí (23 casos e 180 resgates); Rio Grande do Sul (10 casos e 148 resgates); Mato Grosso do Sul (10 casos e 116 resgates) e São Paulo (10 casos e 87 resgates). Esses números referem-se exclusivamente às pessoas resgatadas no meio rural, que representam 88% dos casos no país. Os outros 12% são casos de trabalho escravo em áreas urbanas, que não estão incluídas no relatório.

De acordo com a CPT, o agronegócio e as empresas de monocultivos são os principais responsáveis pela situação de trabalho degradante flagrada no país. Apenas no setor sucroalcooleiro, por exemplo, 523 pessoas foram resgatadas no ano passado.

Chuva de agrotóxicos

Outro agravamento das violações no meio rural foi observado com o aumento dos casos de contaminação por agrotóxicos. Foram 193 pessoas atingidas, um crescimento de 171,85% em relação ao ano de 2021.

O número de famílias afetadas pela aplicação de veneno nas lavouras somou 6.831, o que representa 86% a mais que em 2021 e o maior número registrado pela CPT desde 2010, quando esse tipo de violência passou a ser apurado pela Pastoral.

 

*Com edição do SuperBairro.

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