O povo brasileiro vive uma fase muito triste, entre disputas políticas imbecis, retrocessos na cultura, desafios no comportamento, nas questões de gênero, sexualidade e minorias, enfim, a sensação é a de que estamos sendo chacoalhados todos os dias por tempestades inclementes. Resta saber se o nosso barquinho vai aguentar todos esses desafios.
Mas pelo menos uma característica do povo brasileiro não mudou: a solidariedade. Temos visto isso de uma forma clara e cristalina diante da gigantesca crise que está vivendo o povo do Rio Grande do Sul. De todos os lugares, pobres, remediados e ricos estão se mobilizando para enviar o que podem até os desabrigados e desalojados das cidades castigadas pelas águas. Essa generosidade é um alívio, mostra que talvez tenhamos salvação como sociedade organizada.
Ao mesmo tempo, porém, junto com o lado positivo da solidariedade, vem um outro que também é marcante no povo brasileiro: a tendência a acreditar em tudo o que lhe dizem. Isto vem ocorrendo diante da inundação –palavra triste nestes dias– de chaves Pix para envio de dinheiro ao povo gaúcho.
A impressão que dá é que cada brasileiro criou o seu Pix para arrecadar doações. E isso é grave. É grave porque, ao mesmo tempo que as águas irão baixar, já é possível prever que as denúncias de fraudes e golpes dos espertalhões de sempre irão aparecer –e subir rapidamente.
Fiz contato com o diretor do Procon daqui de São José, o Alexandre Campos, para saber quais são as recomendações do órgão que existe para proteger o consumidor brasileiro. Primeiro, ele informou que, pelo menos até terça-feira, não havia chegado ao Procon nenhuma reclamação de golpe usando as vítimas das chuvas. Que alívio…
Porém, o Alexandre foi bastante claro em suas orientações: que tanto para envio de dinheiro por Pix quanto para gêneros de primeira necessidade, o joseense dê preferência para os órgãos oficiais. Ou seja, no caso de dinheiro, a chave Pix fornecida pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Para gêneros, o Fundo Social de Solidariedade de cada município. Disse até que o pessoal lá do Procon estava juntando internamente suas doações para levar até o Fundo Social.
Isto quer dizer que outras entidades são golpistas e não merecem confiança? Nada disso. Tem gente muito séria trabalhando nisso, como os Correios, o Rotary Club, o Clube de Campo Santa Rita etc. etc. Também empresas comerciais, igrejas e partidos políticos se engajaram na campanha e merecem respeito.
O que fica como alerta é que, fora dos endereços oficiais, é preciso redobrar os cuidados antes de participar da ajuda aos gaúchos. Por exemplo, se informar bastante sobre a credibilidade de quem está recebendo a doação, além de conferir para quem você quer mandar o Pix e para quem ele efetivamente vai chegar. Tudo cuidado é pouco.
Recomendo a leitura do texto do jornalista Graciliano Rocha, do portal UOL, que explica tintim por tintim para onde vai o dinheiro doado na conta SOS Rio Grande do Sul e quem faz parte do comitê de acompanhamento do uso do dinheiro. Clique [aqui], faça login e leia.
O que o brasileiro precisa aprender quando ocorre uma tragédia dessa magnitude é que, nesses momentos, a emoção deve ser canalizada junto com a razão. A emoção faz as pessoas doarem, enquanto a razão faz com que elas doem corretamente. Afinal, a longa e árdua tarefa de recuperação do estado do Rio Grande do Sul irá requerer muito planejamento, seriedade e dinheiro.
Isto me lembra uma outra crise de grande porte que o Brasil viveu, a crise do apagão, em 2001. Naquele caso, ao contrário das inundações no Sul, o país todo viveu um colapso no fornecimento de energia elétrica por causa da escassez de chuvas.
Daquele episódio, ficou na minha memória a reação imediata do governo –o presidente era Fernando Henrique Cardoso– ao instalar um gabinete de crise em Brasília para monitorar todas as ações e comunicá-las diariamente à população. Foi a entrada em cena de Pedro Parente, que depois de ocupar altos cargos nos governos Sarney e Collor, era ministro-chefe da Casa Civil de FHC quando explodiu a bomba do apagão. Parente chefiou o grupo de combate à crise e foi muito bem-sucedido.
Talvez fosse o caso de uma repetição do tal gabinete de crise para que todas as informações, números e providências adotadas saíssem de uma mesma fonte, evitando com isso o choque de versões divergentes, muitas vezes provocadas por interesses menores. Soube que várias prefeituras gaúchas instalaram seus gabinetes, mas quem sabe governo federal e estadual poderiam trabalhar juntos em um gabinete desse tipo.
Enquanto isso, fica o aplauso para os milhões de brasileiros que estão empenhados em ajudar as vítimas da tragédia gaúcha. Esse é o melhor lado do brasileiro, a solidariedade. Que ela permaneça ativa até que a população daquele estado esteja vivendo dias normais. E que, vencida esta crise, permaneça o exemplo de que o povo brasileiro pode continuar unido em torno de outros desafios e projetos.
Mas não custa lembrar: muito cuidado para onde você envia a sua ajuda. Os gaúchos precisam que ela chegue em segurança até eles.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.