Foto / Maria D'Arc

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

O primeiro cuscuz que fiz na vida ficou duro como pedra. Se fosse atirado na cabeça de alguém provocaria um traumatismo craniano, certamente. Não serviu para comer, mas fez minha avó dar muitas risadas.

Ela me explicou, depois, que é importante acertar a mistura de farinha de milho com delicadeza na cuscuzeira, mas não se deve apertar com muita força. Só o suficiente para firmar a superfície.

Por algum tempo eu desisti de tentar fazer o popular prato nordestino. Afinal, minha avó e minha mãe eram muito melhores nisso.

Com o acolhimento característico dos sertanejos, elas apresentaram o cuscuz aos meus amigos que frequentavam nossa casa. Para minha surpresa, mesmo alguns que eu acreditava terem paladar mais enjoadinho foram conquistados pela iguaria (ou seria pelo ritual da recepção?).

E eles desenvolveram suas preferências de acompanhamento. Carne seca e calabresa fritas estão no topo da lista, mas alguns preferem só a manteiga derretida em cima do cuscuz fumegante no prato. Porque, ao contrário do cuscuz paulista, ele deve ser consumido quente. Quando esfria, fica seco e intragável.

Durante muito tempo, meus amigos marcavam com antecedência as visitas de fim de tarde, nos fins de semana, avisando que estavam “com saudade” de comer cuscuz.

Me encanta pensar como um prato típico da culinária do sertão é elo entre pessoas e costumes de várias partes do país quando nos sentamos à mesa. À degustação se juntam as confidências e as risadas que alimentam a intimidade.

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Minha avó partiu há muito tempo, minha mãe já sente o peso dos anos, mas continua fazendo um cuscuz perfeito.

Para não dar a ela o compromisso de cozinhar para minhas visitas, comecei a praticar novamente. Não fica igual ao delas e nem tenho essa pretensão, mas já melhorei bastante, rs.

Descobri com minha mãe que é preciso molhar de leve a mistura de farinhas e aguardar alguns minutos para que absorva a umidade com calma. Os grumos que se formam precisam ser desmanchados com delicadeza entre os dedos. Depois, é ajeitar com carinho na cuscuzeira para que a massa seja cozida no vapor.

O tempo do cozimento é suficiente para passar um cafezinho, de forma tradicional, sem máquinas modernas. Os aromas se misturam na cozinha e contribuem para o clima de aconchego.

Acho que o cuscuz é construído da mesma maneira como são as amizades; como essas com os amigos que me acompanham pela vida e compartilham comigo o prazer desse prato, grandioso em sua simplicidade.

Simples, mas exigente no respeito às etapas do processo para que fique gostoso, macio, agradável. Como tudo na vida. Ao primeiro olhar é tudo esparso, solto, sem forma. Então, se a gente quiser, pode acrescentar algo para servir de liga e, depois, ajeitar volume e consistência, apertando na medida certa, nem de mais nem de menos, antes de cozinhar em fogo alto, médio ou baixo. E é necessário ficar atento para consumir quentinho, se esfriar…

Ok, pode dizer aí que eu falo muito de plantas, pássaros, abraços e comida. Falo mesmo. É tanta coisa feia e sentimento triste por aí, que eu me esforço para prestar atenção nas sutilezas mais doces e comer, rezar, amar e escrever. Não necessariamente nessa ordem.

 

> Maria D’Arc é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.

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