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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Há muitos anos −não digo quando, não digo onde, não digo quem−, estava como juiz de direito a fazer mais uma das inúmeras audiências criminais do dia, já cansado. De repente fiquei surpreso com a veemente indignação de uma vítima, moça bonita e exuberante, que assim dizia no seu depoimento, sentada na cadeira das testemunhas:

− Pois é, doutor, como se não bastasse a violência, o cretino ainda me chamou de tanajura.

Não respondi, até porque não entendi perfeitamente o que isso significava exatamente. Indaguei de novo e ela repetiu tim-tim por tim-tim. Com mais calor ainda, seus lábios tremiam, assim como suas mãos, que mostrava para mim:

− Só de me lembrar olhe como eu fico, doutor!

Finalmente me recordei do apelido da curiosa içá, tanajura, a fêmea voadora da formiga saúva, que por volta de outubro ou novembro, às vezes em abril, sai em bando do formigueiro para o acasalamento com o macho sem graça, o bitu.

A içá é gordinha, tem uma bunda avantajada, ao contrário do bitu, magrinho, que aliás morre logo depois do casamento aéreo. É a alegria de tudo quanto é passarinho, manjar garantido. Não só para as aves, também os humanos, no Brasil, desde tempos imemoriais, os índios sempre foram consumidores de içás.

É saboreada tirando-lhes as asas, de corpo inteiro, ficando no mínimo o traseiro. Vira uma iguaria frita, normalmente uma farofa, adicionando-lhe farinha. No Vale do Paraíba é muito apreciada, muito antes mesmo de o taubateano Monteiro Lobato revelar, no começo do Século XX, ser comedor de içás. São José dos Campos não fica muito atrás, há velhos e novos apreciadores.

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Pois bem, essa içá com uma gorda poupança é chamada também de tanajura e serviu de ofensa à pobre moça, ao menos foi esse o tom injurioso que o cafajeste usou contra ela e foi condenado por isso e pelas lesões.

Daí em diante, caipira da capital, não acostumado inteiramente com os costumes do interior, passei a notar que as moças com o perfil glúteo avantajado eram chamadas de tanajura. Concluí, contudo, que isso nem sempre é mal recebido, embora não fosse o caso relatado, cujo ofensor foi punido.

Um amigo meu sempre relatava um estoriazinha engraçada, mas um tanto mentirosa, de que certa feita, décadas atrás, observava um caipira tirando repetidamente algumas coisas do bolso, mordendo uma parte e jogando os restos ao chão, que ficavam se mexendo. Nada mais que os restos mortais de infelizes içás, comidas vivas e tremelicando no solo. Puro deboche.

Voltando à tanajura, digo, ao caso judicial do início do texto, não é que meses depois encontro-me com o advogado de defesa do réu −hoje candidato a feminicida– que me parou na rua e despejou clara zombaria:

− Viu, Excelência, aquela moça que acusou meu cliente de tê-la chamado de tanajura? Pois o senhor mesmo viu quando ela se levantou da cadeira que era mesmo uma tremenda tanajura, não?

Franzi o cenho: sem comentários.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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