Corria o ano de 1954, eu com sete anos de idade, numa família de ademaristas, tinha uma tia que morava conosco e era janista doente. Na campanha para governador do estado, fui certa feita com ela a um comício do Jânio Quadros, meu primeiro contato com a política.
Naquela época as eleições eram muito mais divertidas para as crianças, que não tinham a maioria dos atrativos audiovisuais de hoje e ficavam fascinadas pelos brindes fartamente distribuídos pelos candidatos. Era uma vassourinha, um galinho, um pintinho, um símbolo qualquer dado pelos políticos em campanha, fazia a alegria da garotada.
Não só isso. Também os jingles, como o “Varre, varre vassourinha”, que queria significar varrer a corrupção. Só que foi para debaixo do tapete, quando mais tarde se descobriu o dinheiro do político em banco da Suíça. Menos ruim era saber que o fulano roubava mas fazia, sem muito segredo.
Capítulo especial eram as paródias, para os mais novos a transformação de uma música conhecida com nova letra. “Domingo é dia/de eleição/lá vou eu com meu título votar/voto no Jânio/de coração/voto no Jânio para nossa salvação”, ao invés da conhecida “Domingo é dia/de pescaria/lá vou eu de caniço e samburá/maré tá cheia/fico na areia/porque na areia dá mais peixe que no mar”. E aí por diante, tornando as campanhas muito mais interessantes, não esse desfile de carantonhas que prometem tudo, algumas exóticas.
Fiquei estarrecido ao verificar que, nas últimas eleições, foi candidato um tal de Kid Bengala, que dizia que iria meter o pau nos corruptos! Afora um conhecido palhaço fazendo da campanha uma palhaçada. E há quem vote neles.
Voltando àquela noite de comício, na grande São Paulo, ficamos, eu e a minha tia, encostados no palanque. Era discurso em cima de discurso, bem tedioso, eu não entendia muito. Ficava apenas observando as figuras que lotavam o palanque. Num dado momento, minha atenção se fixou no personagem principal, o candidato a governador, depois presidente da República renunciante. Ele, num terninho escuro, feio como o dono, foi para um canto, bem perto de nós. Não é que o Jânio Quadros tira do bolso um sanduíche e o ataca ferozmente, parcialmente virado para o canto, fingindo esconder a merenda pobreza? E ali ficou encenando a humildade.
Bem mais tarde fiquei ciente dessa demagogia de comer bananas ou sanduíches nos comícios, a produzir um contraste com as campanhas dos supostos ricos adversários, a velha luta do tostão contra o milhão.
A demagogia, em si, não mudou, apenas evoluiu para outras modalidades, algumas mais grosseiras. É o pão com mortadela contra a coxinha. Mas vamos combinar: até a demagogia antiga, rodeada de uma campanha mais criativa, tinha mais encanto, não é, eleitor?
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.