Soraia com alguns de seus pets especiais: amor que transborda. Foto / Edna Petri

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Eles são cegos, mas sentem a presença do dono de imediato. Eles não têm as patas dianteiras, mas ainda assim pulam feito cangurus e se entregam aos carinhos de seus donos. Eles arrastam as patas traseiras no chão e vão o mais rápido possível quando o seu tutor os chama para subir no colo.

Sabe quando o que você enxerga é só amor e mais nada, absolutamente nada?

Assim sãos os tutores que têm pets especiais, pets que são cegos, que não possuem uma ou duas patas, que se arrastam com problemas na coluna, que precisam usar fraldas, enfim, que têm alguma deficiência.

“Não seria melhor para o bichinho sacrificá-lo e pronto? Vai viver sofrendo mesmo.”

Essa é a frase padrão para quem vê o animal e não enxerga o amor. Para quem foca só na deficiência e não enxerga o todo. Para quem vê o animal como uma coisa e não enxerga o ser vivo, que sente, sofre e que pode te ensinar o que é um amor de verdade.

Eu conversei com quatro tutores de pets especiais para escrever essa coluna e uma coisa me chamou muito a atenção. Os quatro, sem que eu perguntasse, disseram que o amor do pet deficiente é tão diferente quanto ele.

Como assim? Perguntei –mas confesso que ao falar com o terceiro tutor já sabia a resposta.

–– Eles nos amam de forma mais intensa e são muito mais carinhosos. É como se todos os dias eles quisessem nos agradecer pelo que estamos fazendo por eles, quando na verdade são eles que fazem por nós. Aprendemos com eles todos os dias.

E pensar que a maioria desses animais –que hoje tem um amor imenso e intenso– acabou ficando deficiente por culpa do próprio “bicho” homem. Ouvi histórias tristes, revoltantes, estarrecedoras, mas olhando aqueles bichinhos alegres, repletos de amor, até mesmo por mim que não os conhecia (fui visitar alguns), é como se eles quisessem dizer: não fica triste, ele não sabia o que estava fazendo.

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Meu mundo todinho

Nina, a gata cega, mas muito esperta. Foto / Arquivo pessoal

Nina foi encontrada na rua há seis anos por Dona Zezé, mãe da enfermeira Virgínia Campos. A gatinha tinha os dois olhos perfurados por algum… (fique à vontade para usar a palavra grande de sua preferência) e já estavam começando a criar bichos. Virgínia a adotou e imediatamente procurou um veterinário, que fez uma limpeza cirúrgica nos olhos da gatinha.

Nina não voltou a enxergar, mas isso, segundo Virgínia, nunca foi problema. “Ela é muito esperta, anda por tudo e sabe quando alguém se aproxima dela.  Só não fico trocando os móveis de lugar porque ela já se acostumou”, explica a enfermeira.

Dudu, o mundo todinho da Virginia. Foto / Arquivo pessoal

Eduardo Marcelo, um boxer com encurtamento de coluna é outro pet adotado por Virgínia, há três anos. Ele foi descartado por um criador –quando viu a sua deficiência– e a enfermeira se prontificou a ficar com ele mesmo sabendo que Dudu –para os íntimos– muito provavelmente terá alguns problemas quando ficar mais velho.

Talvez Dudu não consiga mais andar e tenha que usar fraldas. Mas quem está preocupado com isso? Virgínia? Que nada, quando fala de Dudu ela se derrete em elogios: “Ele é a coisa mais linda desse meu mundo todinho. É o cachorro mais amoroso que eu já conheci”.

Batizou e adotou

Lola nem se lembra que não tem uma pata. Foto / Arquivo pessoal

Quando viu uma publicação na página da protetora Tia Dani, há cinco anos, pedindo ajuda financeira e sugestões de nomes para uma cachorrinha resgatada que havia sido atropelada, a contadora Roseli Machado Moreira não só ajudou como sugeriu um nome: Lola, que foi o escolhido.

Passados alguns dias, Roseli foi ver a cachorrinha no veterinário e lá ficou sabendo que Lola teria que amputar a pata. “Quando olhei no rostinho dela, me apaixonei na hora e já avisei à protetora que a Lola iria para a minha casa assim que recebesse alta”, conta Roseli, que hoje tem uma cachorra esperta, amorosa, que pula nos sofás e camas, porque, segundo a contadora, ela nem se lembra que perdeu uma pata.

Fez o que foi possível

A gatinha que ficou cega, mas ganhou amor. Foto / Arquivo pessoal

Já falei sobre a arquiteta Rita Almeida aqui na coluna. Ela possui um gatil com mais de 70 gatos e, de vez em quando, se depara com situações difíceis, como a de uma gatinha que pariu no telhado do seu gatil.

Rita fez de tudo para se aproximar e ajudar a gata parideira e seus filhinhos, mas pensa numa bicha brava! Um mês depois ela conseguiu ter acesso aos animais e levou um susto quando viu um dos filhotes. “Parecia um sapo, os olhos esbugalhados, inchados, não sei o que aconteceu”, conta Rita, que fez o possível para salvar os olhinhos da gatinha, mas não conseguiu.

Luz, foi esse o nome que Rita deu pra ela. Perdeu os olhos, mas ganhou o amor da arquiteta, que a levou para casa e cuida dela com todo o carinho que ela merece.

Transbordando amor

Soraia e Amora: cumplicidade. Foto / Edna Petri

Boris, um basset albino cego, foi o primeiro pet deficiente que a enfermeira aposentada, Soraia Barbosa resgatou, isso há 14 anos. Depois dele, vieram Amora, Jade, João, Peppa, Lu, Susi, Gorda, Vicky, Meg e atualmente são 14 cachorros especiais adotados por essa enfermeira que transborda amor.

Amora nasceu sem as duas patas dianteiras, está com Soraia há 12 anos e é um verdadeiro grude. As duas trocam olhares amorosos o tempo todo, é lindo de se ver. Mas a enfermeira cuida e olha com carinho para todos eles. Cegos, paralíticos, amputados, mutilados.

Quando decidi visitar a Soraia confesso que fiquei ressabiada, achando que pudesse encontrar cenas tristes. Mas que nada! Os cachorros fizeram uma festa, latiram, me pediram carinho, pareciam sorrir o tempo todo. E quer saber? Depois de um tempo, a gente simplesmente esquece que eles são deficientes. Esquece.

Mas o que será que levou Soraia a se dedicar a tantos pets especiais? “O que mais me apaixonou é como eles são com a gente; é muito amor. Não que os outros não tenham, mas o carinho deles é muito maior, não dá nem pra explicar direito”, diz a enfermeira.

Lógico que, deixando o romantismo de lado, sabemos que toda adoção deve ser feita com responsabilidade. E no caso de alguns pets especiais, isso envolve também uma despesa maior que envolve fraldas, medicamentos, produtos de higiene e limpeza.

Mas não tenha medo de adotar um cachorro ou gato com alguma deficiência. O máximo que pode acontecer é você se apaixonar loucamente por ele e, do nada, esquecer que ele é deficiente, porque, como eu já disse, quem enxerga com amor não consegue ver qualquer deficiência.

De arrepiar a alma (quem tem uma)

Todos os deficientes que Soraia adotou foram abandonados ou sofreram maus tratos. A história de cada um é de arrepiar não o corpo, mas a alma da gente.

Vicky foi encontrada com um espeto de churrasco enfiado nas costas e ficou paralítica. Jade, quando nasceu, foi jogada num terreno depois de ter parte de sua pata dianteira cortada por puro capricho.

Mel foi estuprada e, por ser muito pequena, acabou com um sério problema na coluna e hoje arrasta as patas traseiras no chão.

Jade e sua alegria de viver. Foto / Edna Petri

E as histórias não param por aí, mas vou parar porque não há quem aguente tanta maldade vinda de pessoas que se dizem humanas.

Um amigo meu comentou outro dia no grupo do Whats que “os animais vão evoluir mais rápido que os homens”. A gente sabe que não é bem assim, mas tem momentos em que eu acredito que eles chegam ao céu mais rápido do que muito ser humano.

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Adote

Todas as semanas, no final desta coluna, vamos colocar a foto e as informações de um pet para adoção. Peço a vocês que compartilhem, por favor. Vamos ajudar esses animaizinhos a encontrar um lar.

> Edna Petri é jornalista (MTb nº 13.654) há 39 anos e pós-graduada em Comunicação e Marketing. Mora na Vila Ema há 20 anos, ama os animais e adora falar sobre eles.