Sempre que ocorre uma tragédia climática como a destes dias no Litoral Norte, o que mais se fala na Imprensa, nas casas, nas ruas, é o seguinte: por que não evitam construir casas em morros e outros locais com risco de deslizamentos, desmoronamentos e alagamentos? É, de fato, uma boa pergunta. Por quê?
O próprio presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que é mestre em falar o que o povo quer ouvir, declarou: “De vez em quando a natureza nos prega uma surpresa, mas também muitas vezes a gente desafia a natureza. Por isso queria que você pensasse num lugar seguro para que a gente pudesse começar a reconstruir as moradias do povo de São Sebastião”, disse Lula, dirigindo-se ao prefeito da cidade.
É o óbvio, certo? E por que não se faz o óbvio? Aí nós temos que sair do mundo dos sonhos e entrar no plano da realidade. Primeiro, porque localização, quando se trata de terra, tem tudo a ver com dinheiro. Terreno barato em áreas planas e bem protegidas desse tipo de agressão da natureza é raridade. Então, quem não tem muitos recursos, compra onde dá para comprar. Ou seja, nas encostas distantes do olhar do poder público e sem a infraestrutura básica implantada.
Isto sem falar em quem não tem dinheiro nenhum e invade áreas pouco protegidas pelos seus donos ou, ainda, áreas públicas. Aí vai ser pior ainda, porque além de construir em um local perigoso o sujeito vai construir da forma mais precária, aquela moradia que, mesmo sem tempestades, vai estar sempre com risco de cair.
Aqui mesmo em São José dos Campos temos muitas áreas de risco para moradia. Já houve uma desocupação pelo poder público em uma parte do Rio Comprido, bairro da região sul que faz divisa com Jacareí. Ou seja, lá o risco de uma tragédia está bem menor do que era.
Mas o mesmo não se pode dizer de várias áreas na região norte do município, entre São José e Monteiro Lobato. Ali, a cada chuva mais forte, instala-se o medo em muitos moradores. O rio Buquira é traiçoeiro, de manhã está tranquilo no seu leito, mas horas depois pode subir assustadoramente o nível, trazendo muita água dos rios do alto da serra da Mantiqueira.
Pude acompanhar durante um tempo em que atuei na assessoria de imprensa da Secretaria de Proteção ao Cidadão da Prefeitura, à qual está subordinada a Defesa Civil no município, que o assunto é levado a sério em São José.
O pessoal da Defesa Civil está sempre de olho no tempo para tomar decisões rápidas. Esse trabalho ficou ainda melhor com a instalação do Cemaden, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, no Parque Tecnológico, aqui em Eugênio de Melo. Eles dispõem de instrumentos e recursos tecnológicos bem precisos para prever esse tipo de desastre.
Mas o instrumento mais valioso da Defesa Civil, nesses casos, é o seu pessoal. Quando surge uma demanda de alagamento de área, desmoronamento de construção, queda de árvores e outras ocorrências, a equipe está pronta para trabalhar sem hora para dormir, sem descanso e, se preciso, sem comida. Até que tudo esteja sob controle.
Uma ação fundamental da Defesa Civil é o relacionamento com as comunidades instaladas em áreas de risco. Muitos recebem treinamento, outros atuam como voluntários e todos têm acesso direto ao órgão para que todas as providências necessárias e possíveis sejam tomadas rapidamente.
Comentei com uns amigos, poucos dias antes do Carnaval, que a cidade está sendo poupada de problemas mais graves como os que ocorreram nos últimos anos. Tivemos, é verdade, casas inundadas na região de Eugênio de Melo, em São Francisco Xavier e outros poucos locais, com resposta imediata do poder público e apoio da população com suas doações ao Fundo Social de Solidariedade.
Mesmo com a relativa calmaria na cidade, a equipe não pensou duas vezes e se deslocou até São Sebastião no domingo para ajudar a população afetada por uma das chuvas mais fortes e destruidoras de sua história. Parabéns a esse pessoal valoroso.
Mas, voltando ao que disse o presidente Lula, a questão principal deve ser anterior à tragédia. Ela começa quando o cidadão se instala em uma área de risco. Aí é que a lei deveria funcionar. Uma legislação bem rigorosa, proibindo a ocupação desse tipo de área, aliada a uma fiscalização rápida e eficaz, não deixaria famílias sujeitas a morrer de uma hora para outra.
Todo município deve ter o seu inventário de áreas de risco e não deixar que as primeiras tábuas ou blocos sejam colocados nesses locais. Em São José existe um programa, chamado Observa, que permite uma varredura por satélite em todo o seu território. Em seguida, com apoio de drones ou baseados em denúncias, os fiscais vão até os locais e interditam as obras em seu início.
O caminho é esse. Lei dura, resposta imediata do poder público e, assim, população protegida do enorme risco de ocupar áreas sujeitas a desastres. Sem esquecer de pensar, é óbvio, em programas que deem acesso à moradia para as famílias de baixa renda em terrenos de baixo risco e com infraestrutura.
E que são Pedro feche um pouco as torneiras do céu.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.
*Texto atualizado às 9h54 do dia 22/2/23 para revisão ortográfica e de estilo.