− Maicon Jackson, vem comer, menino!
Gritou, não, urrou a fulana na barraca ao lado, no suposto paraíso de Ubatuba. O filho, rebento rebelde decerto, a cerca de sessenta metros de distância, na água, impassível, fazendo ouvidos de mercador. O berro estridente deu direto no meu tímpano –pudera, desferido a menos de um metro de mim, no local de barracas e guarda-sóis na areia da praia. Quase me engasguei com a cerveja quente que tomava.
Isso em meio a formidável música sertaneja, entremeada de funks, raps e pagodes, saindo de um gigantesco alto-falante, irradiando para toda a praia. Os bebuns conversando em altos brados, soltando grotescas gargalhadas e palavrões.
Sim, esse é um dos pesadelos de banhistas educados, dentre outros, como o congestionamento diário numa rodovia ultrapassada e de pista única –vergonha para os governos do estado e da União– além das filas de malcriados nas padarias e supermercados superlotados.
Sem contar os quiosqueiros abusados e seus rústicos e despreparados garçons, quando não se é pego por uma bolada inadvertida de um craque da areia ou se suporta ambulante insistente a cada trinta segundos. Para arrematar, agora até mendigos, alguns defecando na praia à vista de todos.
Isto é o purgatório de Ubatuba na temporada de verão, virtual inferno nos fins de semana!
Burguês rabugento e elitista −diria um amigo, marxista fervoroso ainda, no fim mero populista na má política nacional. Não desencarnou ainda dessa religião furiosa, porém utópica, ultrapassada em todo o mundo, ora a vagar sem rumo nos trópicos.
Nada disso, compadre! Hipérboles e humor à parte, na realidade vejo –e apoio como prioridade− a necessidade do povo, a democratização do acesso às praias, em que pese a incúria governamental. O estado de São Paulo, o mais rico e populoso da União, que ajuda os demais com sua pujança, não merece a mesma atenção que o Governo Federal dá a outras plagas, principalmente pela execução de emendas orçamentárias suspeitas.
Pasmem: nosso estado não tem rodovia duplicada no extenso Litoral Norte, nesse paraíso não só de Ubatuba (102 praias), como de Caraguatatuba e São Sebastião, incluindo Bertioga. Enquanto em outros estados, como do Nordeste, existem rodovias estupendas, algumas que vão do nada a lugar nenhum! Sem a massa de população que se assemelhe.
Por outro lado, a omissão também é do Governo do Estado. Fico no mínimo perplexo quando ouço que a intenção é exatamente um elitismo, ao dificultar o acesso a praias para que mansões e condomínios de luxo não se perturbem com o afluxo popular. Além de paulistas, vêm para cá milhares de irmãos mineiros, que precisamente agora descobriram as praias de Ubatuba. O cenário piorou.
Conheci Ubatuba em 1963, paraíso intocado, sem BR-101, praias virgens, como o Tenório, cujo acesso se fazia atravessando a Mata Atlântica. Aliás, a floresta é uma das preciosidades do município de Ubatuba, com as praias das mais bonitas do Brasil. Um céu, guardadas as proporções. Melhor, um Jardim do Éden, porém com Adões e Evas não enganados pela serpente, apenas mal-intencionados.
Os muitos Maicon Jacksons e Suellens merecem desfrutar das praias e os incomodados, como eu, que se mudem. Tenho esperança de que algum dia a educação, os bons modos e o nível cultural se tornem uma realidade para todos.
Os correspondentes caiçaras também têm esse direito de uso, além da oportunidade na indústria do turismo, se houvesse uma. Por que não investir em infraestrutura, atrair investimentos e formar profissionais no próprio local para se empregar no turismo e no comércio resultante dele? Formar-se-ia um círculo virtuoso.
Embora os municípios tenham poucas condições econômicas, alguns deles, como Ubatuba, parecem ter sofrido de uma terrível maldição sobre a classe política. O povo sabe do que estou falando. Os prefeitos e vereadores poderiam fazer muito mais, com criatividade e boa gestão, além de honestidade.
Com a palavra –e ação−, os governantes.
Mas não é que o bendito Maicon Jackson do início deste texto deixou naquele fatídico dia um garboso marinheiro à deriva na água? Gente, quase trombei com o marujo quando tentei um refrescante banho de mar. Fui embora!
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.