Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Estamos vivendo novos tempos no Brasil. E os sinais não se limitam à seleção brasileira de futebol, que ganhava quase tudo há 50 anos e hoje apanha de qualquer um. Se os nossos males se resumissem a uma bola de couro, seríamos felizes. O problema é que o mundo está mudando e o Brasil, que já foi considerado um paraíso na Terra, está mudando junto: para pior.

Sei que a nossa memória tende a ser seletiva, ou seja, lembramos aquilo que preferimos lembrar. Mas em se tratando do clima, não dá nem para discutir, estamos vivendo tempos inéditos. E a julgar pela previsão do cientista Carlos Nobre, possivelmente o maior especialista brasileiro em assuntos climáticos, “pode ser tarde demais e isso me apavora”. Ele publicou um artigo com conclusões terríveis no portal UOL. Clique [aqui] e leia.

O problema, nos difíceis dias atuais em que as redes sociais e a internet transformam qualquer cidadão em um canhão atirando opiniões e conclusões para todos os lados, é que para cada Carlos Nobre respeitado mundialmente, há dezenas de picaretas chutadores falando o que bem entendem, ou, pior, o que mal entendem.

Como em todas as áreas, temos também os negacionistas das mudanças climáticas. Um deles é daqui de São José dos Campos, com origem no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), assim como o próprio Carlos Nobre. A diferença é que este cidadão resolveu contradizer quase tudo o que a climatologia mundial consagrou. Ou seja, para ele, está tudo bem. Não vou citar o seu nome, ele não merece.

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Vou deixar os cientistas com as suas teses, até porque eles podem esfregar nos nossos narizes seus diplomas, suas pós-graduações, seus doutorados. Prefiro voltar no tempo, não muito longe, mas a esses 50 a 60 anos que ainda estão na minha memória. Afinal, em se tratando de clima, a gente sente os efeitos na carne.

Me recordo claramente dos tempos de infância e parte da adolescência em que vivi o que deveria ser a coisa mais normal do mundo: as quatro estações do ano. Verdade. Não tinha erro. Havia, pelo menos no Brasil, pelo menos em São Paulo, primavera, verão, outono e inverno.

Volto a algo em torno de 1964, 65, no bairro paulistano da Vila Ema –xará da nossa Vila Ema joseense– e me vejo com capa de chuva, guarda-chuva e uma bota ortopédica reforçada desviando das poças d’água em um caminho de terra que levava à minha escola durante a estação chuvosa. Na outra mão, uma bolsa escolar.

Confesso que não me lembro quais eram os meses, mas sei que chovia muito. Não era forte, era uma garoa constante, às vezes grossa, às vezes fina. Chovia dias e dias seguidos. E era normal. E a gente estava acostumada com aquilo. Ninguém ficava reclamando de se molhar um pouco. Era parte da vida.

Em compensação, também me lembro bem da chegada da primavera. Depois de um inverno normalmente gelado, os dias começavam a ficar mais gostosos, a vegetação ganhava um cheiro bom, o sol começava a se firmar, mas nunca além da gostosura que eram aqueles dias frescos que convidavam a brincar fora de casa, pular, correr e se divertir.

A primavera, minha estação preferida, se estendia pelos dias que deveria se estender, até que o calor começava a ficar mais forte, sufocante até, trazendo o verão. Mas nada que estivesse fora do esperado. E passado o verão, começava tudo de novo em um ciclo que parecia sem alterações.

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Quando vim para o Vale do Paraíba, em 1975, os dias já não eram iguais. Peguei verões muito quentes (o de 1976 em Caçapava judiou de mim) e invernos muito frios (o de 1980 em São José me castigou). Até aí, porém, tudo estava conforme a criação divina: inverno é frio, verão é calor.

Os anos foram passando e as estações foram mudando. Os rigorosos invernos joseenses passaram a escassear, enquanto primavera e outono foram se aproximando do verão para trazer muito mais calor durante quase todo o ano.

E chegamos aqui, depois de entrar vinte e poucos anos no século 21. Chegamos neste 2024 com temperaturas de 34°C em São José em pleno inverno, ou, se preferir, 40°C no Rio de Janeiro. E ninguém mais se arrisca a dizer como serão os próximos meses, os próximos anos.

O que eu sei é que a parte da ciência que vem alertando para a crise climática já há muitos anos é o lado certo dessa história. Os acordos globais que estabelecem metas de redução das emissões de carbono no planeta estão certos também.

Errados estão os governos que não levam a sério o futuro crítico que nos espera. Errados estão indústrias, exploradores de matérias-primas, agricultores e pecuaristas que acham que todos têm que fazer sacrifícios, menos eles.

Finalizo voltando ao cientista Carlos Nobre em seu artigo no UOL, quando ele faz uma previsão sombria: “(…) se falharmos em reduzir drasticamente as emissões, poderemos enfrentar um cenário extremo. Se a temperatura global aumentar em 4°C até 2100, grande parte do planeta, incluindo o Brasil, pode se tornar inabitável, especialmente as regiões tropicais e equatoriais. Isso incluiria vastas regiões do Brasil, especialmente as áreas tropicais e equatoriais. No Sudeste, os verões seriam tão extremos que viver ali seria insustentável”.

Preciso dizer mais?

Só fico triste ao olhar nos olhos da minha neta, a esperta Valentina, de 7 anos, e saber que talvez ela só vá saber o que são as estações do ano por meio das lembranças que eu transmito a ela.

Será que ainda dá tempo de evitar esse futuro trágico que espera pelas novas gerações?

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.