Mais ou menos 4 horas da madrugada de sexta-feira, dia 13 de agosto. Apesar de sexta 13 e mês meio estranho de agosto, tudo em paz. Não foi um pesadelo que me fez acordar; pelo contrário, acordei com uma leveza, uma sensação de bem-estar impressionantes.
Eu dormi, sonhei com o futuro e nesse futuro não vi grandes construções, riquezas materiais, joias, veículos luxuosos. Vi pessoas a pé passando por lugares tranquilos e seguros, convivendo, se divertindo, estreitando as relações, refletindo sobre como o passado havia moldado as pessoas daquele futuro.
Acordei, repito, com uma paz interior incrível, uma sensação de que tudo convergia para o ser, não para o ter; para o coletivo, não para o individual; para o alimento da alma, a convivência, as relações, os familiares, os amigos.
Lembro-me agora, acordado, que o presente não nos trouxe só problemas, como relacionei na coluna da semana passada [quem não leu, leia aqui]. O mundo melhorou incrivelmente. O emprego virou home office e não gigantescos edifícios, as fábricas colocaram robôs para liberarem as pessoas para criar e sonhar.
As filas e a burocracia são a cada dia menores. Exemplo é o Detran, antiga máquina devoradora da paciência e do bom-senso. Acabaram os despachantes, ou quase, terminaram as filas (lembro-me de um “filme de terror” que estrelei, poucos anos atrás, para regularizar a documentação de um Golzinho), gente deixando um dia da vida no prédio mofado, suarento, depressivo da avenida São José. Hoje, o Detran funciona em uma nova sede, próximo da avenida Bacabal, na região sul, que eu ainda não conheço e provavelmente não vou conhecer.
Na semana passada, me pego tendo de resolver a documentação de um Corolla, que se extraviou. Primeiro, o b.o. eletrônico, bom, feito de casa, longe de ter que acompanhar, como antigamente, o catar de milhos na máquina de escrever enferrujada, quase peça de museu, de uma delegacia quase em trevas, quase medieval, com um atendente que fazia questão de mostrar no mau humor o quanto era infeliz e por isso queria tornar infeliz a vida de todos que passassem por aquela delegacia.
Depois, o portal do Detran. Modernidade, facilidade, racionalidade, uso da inteligência, da tecnologia da informação, para rapidamente resolver. Nada de documentos pomposos, nada de prazos. Levantamento da situação em inúmeros órgãos já com o devido nada consta.
E os débitos que constavam –uma multa e o licenciamento 2020 não pagos na confusão da pandemia, que criou um calendário próprio e meio incompreensível–, estavam lá, simples e claros. Valores pré-definidos, integrados e prontos para serem pagos. Onde? Imprimir guia, banco físico, filas, estacionamento do carro, flanelinhas, cheque ou dinheiro? Nada disso.
Você vai em segundos, com o uso de dois dedinhos para apertar algumas teclas, ao aplicativo do seu banco, aperta em “veículos” no menu e, milagrosamente, o mesmo valor do seu débito está lá perguntando se vai pagar agora. Com um clique você paga e, segundos depois, já saiu do seu banco, já retornou ao Detran, o seu pagamento já foi registrado e você pode baixar o seu documento de licenciamento de porte obrigatório e também guardar o download do documento no seu celular.
E quando eu recebo o documento? Já recebeu, maluco. Você mesmo imprime. Em uma folha de papel sulfite 75 gramas, bobinha, simplezinha. Ih, mas eu não tenho mais impressora faz tempo, ninguém mais usa isso. Pega o arquivo, envia no WhatsApp da gráfica digital e depois dá um passeio a pé até o local, a três quadras de casa, pega o papel, paga 50 centavos, dobra e coloca na carteirinha do documento, põe no porta-luvas que hoje já faz parte de um conjunto chamado porta-trecos.
Pronto. Tudo em dia. E posso voltar a cochilar e sonhar com o futuro simples, puro e feliz, com a família, com os velhos e novos amigos.
Tudo simples. Da mesma forma que esta coluna foi concluída exatamente às 5h16min da madrugada de sexta-feira. Não em uma redação lotada, barulhenta e coberta por uma névoa formada pelas centenas de componentes químicos dos cigarros que, antigamente, quase todos fumavam como zumbis abastecidos por litros de café requentado e de péssimo sabor. Foi concluída diretamente da minha cama, com as palavras digitadas no meu smartphone e transferidas, logo pela manhã, diretamente para o site do portal SuperBairro, de onde está chegando até você.
Texto concluído, missão da semana cumprida. Com licença, vou voltar a dormir e, quem sabe, sonhar um pouco mais.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.