Wanderley Mira, amigo por quem tenho apreço de longa data, costuma chamar de braço curto quem não é muito dado ao trabalho. Sei lá no que ampara sua assertiva, pois nunca tive a curiosidade de lhe perguntar. Imagino que se refira a quem não desenvolva uma atividade produtiva a contento; de quem se pode dizer enrolão, embromador, folgado ou coisa semelhante a vagabundo –para abreviar.
Os antigos tinham o costume de exibir a palma da mão para comprovar a proximidade com o trabalho. A mão cascuda, machucada e até com bolhas era sinal de experiência, de destemor com o batente, normalmente pesado e bruto. No meio rural, até hoje o matuto espalma a mão para atestar que é sacudido.
E chegamos ao cerne da questão. Por ser incomum, no texto que publiquei neste espaço na semana retrasada, a palavra guatambu suscitou alguma surpresa, mesmo colocada no sentido figurado. A ponto de um amigo/leitor, dos seis que me seguem aqui, fazer uma referência jocosa sobre o termo. Como foi numa conversa informal, aproveitei para lhe contar esta passagem –aqui encurtada– que, de certa forma, joga alguma luz sobre minha afinidade com o dito pau.
Meu pai se foi com 98 anos. Era rude, mas bom. Boa parte de sua estada aqui, ele trabalhou num pequeno sítio, onde forjou a vida no cabo da enxada, roçando pasto, esgotando brejo, plantando e colhendo. Foi como ganhou as mãos calejadas, das quais se orgulhava.
Talvez por sua formação e uma vida de trabalho, de quem saía cedo e voltava tarde, não escondia a aversão pelo indivíduo preguiçoso e do braço curto, o que, para ele, bem caracterizavam o malandro. Esse tipo de gente ele identificava logo, e fazia questão de se manter distante.
Em dado momento de sua vida, passou um sujeito de boa lábia, braços apequenados, cuja intenção, me pareceu, era entrar para a família. Experiente, meu pai recorreu a informações sobre o passado do pretendente e levou o pé atrás com o que descobriu. Homem de fé, agarrou-se à reza para que no mar da vida os ventos soprassem aquele barco furado para outros portos, o que de fato aconteceu.
Mas até experimentar a bonança, certa vez presenciei um dos meus irmãos testar o nível da bronca de meu pai depois que descobriu que, em vez de currículo, o biltre tinha folha corrida. Foi quando eu disse, brincando, que o desocupado estava decidido a visitá-lo para uma conversa de homem para homem. Ao que ele me respondeu, sem pestanejar, nem disfarçar contrariedade: “pois que venha; o dele está guardado!”.
E levantou-se ríspido da mesa onde tinha acabado de tomar uma xícara de café preto com bolo de fubá. Caminhou apressado em direção ao quarto, e pegou, pendurado atrás da porta, um relho que guardava como relíquia do tempo em que ganhou os calos nas mãos, na dura lida na roça.
De tão antigo, o açoite tinha uma trança ressequida de três finos fios de couro bovino firmemente presa numa extremidade da madeira roliça e de pouca verga. Quando quis saber se aquilo não podia machucar o candidato, ele riu, matreiro, e disse: “mas o que eu reservo para o espertalhão é isso”; e exibiu o cabo do chicote pouco acima da cabeça, segurando-o pelas pontas com as duas mãos. Quase morri de rir.
Naquele dia eu fui apresentado ao pau do guatambu, que meu pai explicou o que era e para que servia. Acho que tinha o tamanho e a espessura de uma bengala, como a que um certo dia atacou, furiosa, a cabeça de um certo Zé.
Homem de paz e do bem, meu pai estava caçoando, claro!; mas o sujeito –talvez antevendo o tamanho da encrenca– acabou baixando em outra freguesia. E eu aprendi que, além de excelente para encabar ferramentas, o pau do guatambu é um santo remédio para enxotar malandro do braço curto.
Assim, eu e meu amigo/leitor encerramos a conversa: dando boas risadas.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.