Foto / Christian Robertson/Roboto

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Nos tempos atuais, do imediatismo das notícias, do acesso fácil à informação, somos bombardeados constantemente por opiniões e divulgação de fatos que estão longe de representar a verdade. Todo mundo virou jornalista ou especialista em algo. Temos especialistas em saúde, em segurança pública, em política, em pesquisa de mercado, enfim, todos acham que entendem de tudo.

Há aqueles que simplesmente recebem informações e repassam adiante, sem verificar sua veracidade, a tal ponto de nascer uma nova atividade, os que se dedicam à verificação de notícias ou checagem de fatos. Até a expressão “fato ou fake” está na moda.

A colunista do UOL, Cristina Tardáquila, publicou em 04/10/22, um interessante artigo intitulado “Eleição de desinformadores acende alerta sobre a checagem de fatos”. Ela parte de “uma dúvida angustiante: será que o combate ostensivo às notícias falsas e aos “fatos alternativos” ajudou a popularizar quem aposta nisso? Ou será que, na verdade, a checagem de fatos –finalmente popularizada no Brasil– foi exitosa e conseguiu impedir que a lista de políticos desinformadores com posse marcada para 2023 seja ainda maior?”

Sua análise inclui a notícia falsa como ferramenta puramente política, nascida nos Estados Unidos de Donald Trump. E conclui: “O resultado do primeiro turno é sinal inegável de que o país está ainda mais imerso na desinformação e de que é preciso rever as armas que estão sendo usadas para combatê-la… temos sinais claros de que as notícias falsas se enraizaram e que podem ter se consolidado como verdade em muitos espaços ainda pouco iluminados”.

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É crime?

Além da importante análise acima, para nós, neste artigo, vale a pergunta: afinal, criar ou propagar notícias falsas é crime?

A resposta não é simples e depende de outras análises. A resposta é: depende. A criação ou divulgação de notícias falsas não é crime por si só, mas pode demandar em um crime (ou mais crimes) ou a ele dar origem ou sustentação. Explico.

Depende da notícia, como ela é divulgada, quem divulga, para quem e com qual intenção. Se eu digo que a Terra é plana, é falso. Trata-se de clara desinformação, um desserviço, mas dentro dos limites legais. É lamentável, mas não antijurídico.

Se eu pego um artigo da imprensa que diz “contrariando a lógica, os fatos e os cientistas, cresce o número de negacionistas que afirmam que a Terra é plana”, e faço uma edição, suprimindo parte do texto, deixando apenas “cientistas afirmam que a Terra é plana”, além de tentar dar credibilidade a esta notícia falsa mediante fraude, eu estaria ferindo direitos autorais de terceiros. Há crime.

Se eu digo que a cloroquina é comprovadamente eficaz contra a covid-19, uma mentira, novamente trata-se de clara desinformação, um desserviço, mas dentro dos limites legais da liberdade individual de expressão. É lamentável, mas não antijurídico. Entretanto, se um presidente da República faz a mesma afirmação, é crime de responsabilidade, por improbidade administrativa (art. 9º da Lei 1.079/50, entre outras previsões constitucionais), ou seja, neste caso dependeu de quem falou e sob quais circunstâncias.

Liberdade de expressão

Como vimos, são inúmeros os exemplos nos quais uma notícia falsa pode ser ou resultar em um crime. Alguns defendem que é garantido a todos o livre exercício de manifestação e opinião (Constituição Federal art. 5º incisos IV e IX), sob o argumento do direito à liberdade de expressão, mesmo que a notícia ou fato seja falso, ou ainda que a manifestação seja violenta ou leve à violência, como na frase “vamos botar fogo no STF pois lá só há ladrões, pois soltam presos ao receberem propina”. Não é verdade a notícia e não é verdade a proteção à liberdade de expressão.

Neste exemplo há crime de atentado ao ​Estado Democrático de Direito (artigo 359-L do Código Penal, antigo artigo 18 da Lei de Segurança Nacional – Lei 7.170/1983); crime de injúria (art. 140 do Código Penal – “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”; crime de difamação, dependendo qual o meio ou alcance da injúria (art. 139 do Código Penal – “Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”); crime de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal – “Incitar, publicamente, a prática de crime”; entre outros, destacando os aqui já trazidos “crimes contra a honra”.

Em resumo, a liberdade de expressão ou opinião é um direito limitado por outros direitos, ou seja, é um direito desde que não vá contra outros direitos previstos em leis e na própria Constituição Federal, atingindo os de terceiros.

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Nas eleições

Vimos, na matéria do UOL citada, sobre o uso das notícias falsas e desinformação como ferramenta político-eleitoral. Sob o aspecto jurídico geral, como o uso pode criminoso, por si só ou pelo resultado.

No sistema eleitoral brasileiro, além da previsão aqui exemplificada, o art. 9º e o art. 9º-A da Resolução nº 23.610/2019 (com redação dada pela Resolução nº 23.671/2021) do TSE – Tribunal Superior Eleitoral, tratam da “Desinformação na Propaganda Eleitoral”. Vale citar:

Art. 9º – A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se as pessoas responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal.

Art. 9º-A – É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação.

Alguns candidatos, partidos ou coligações utilizam “serviços” de terceiros, apoiadores, influenciadores, entre outros, para propagação de notícias falsas ou de desinformação, buscando obter vantagem e atrair eleitores, tentando fugir da responsabilização eleitoral. No mundo digital atual, onde cada vez mais as pessoas buscam informação em redes sociais (com membros que normalmente compartilham de suas crenças), a mentira ganha contornos de verdade, afetando o correto julgamento de todos.

Devemos citar, ainda, o Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65), dos crimes eleitorais contra a honra, art. 324 §1º (calúnia eleitoral), art. 325 (difamação eleitoral) e art. 326 (injúria eleitoral).

Agora a desinformação busca atingir as pesquisas eleitorais e os respectivos institutos. É crime? Dê sua opinião. Sobre as pesquisas eleitorais, voltaremos no próximo artigo.

Por enquanto, fica a dica: cuidado com aquilo que cria ou divulga, como informação ou fato. Você pode estar cometendo um ou mais crimes. Fique atento. Informe-se. Verifique. Existem diversas opções e fontes seguras para o cidadão se informar. Busque na imprensa profissional e, na dúvida, consulte na própria internet as instituições especializadas em checagem de fatos.

 

> Eduardo Weiss é jurista, advogado, professor, palestrante e autor. É Doutor em Direito Internacional e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.

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