Outro dia peguei a estrada feliz da vida por espairecer um pouco. Fui rumo ao sul de Minas Gerais na companhia de Deus e dona Maria. Destino? Conceição dos Ouros, para visitar os amigos Benedito Gonçalves e Alzira, que sempre nos recebem com carinho.
Eles moram em local aprazível e sossegado no bairro Santa Efigênia, com vistas eternas para animais no pasto e parte da cidade, cuja praça principal dista dali poucos minutos a pé. A casa avarandada localiza-se na parte alta do grande terreno triangular e lançante.
O acesso ao piscoso lago num dos vértices obriga passar pela roça de milho ou mandioca. Na parte de cima destaca-se o pomar, vizinho ao galinheiro. Em parte bem vedada do terreno pastam as galinhas, principalmente d’angola, xodós do dono da casa.
Era domingo de Carnaval e, como se aproximava o aniversário da anfitriã, cuidei de saber se a casa –que receberia mais três casais de uma velha e comum amizade– não estaria sobremaneira apinhada, pois não queria atrapalhar. Até porque, pretendia colocar na mala mais cuecas que o necessário para um bate e volta.
Diante do sinal de que o meu cantinho para o pernoite estava imexível, fui tranquilo. Pouco tempo depois de alguns solavancos e um estresse provocado por um puxador de enterro na estrada até Monteiro Lobato, cheguei.
Em Ouros, antes de cruzar a avenida das palmeiras rumo ao meu destino, liguei para saber se precisavam de alguma coisa que pudesse levar do mercado ou da quitanda. E fiquei sabendo pela Alzira que seu marido e os visitantes homens tinham saído comprar pinga, e que o frango caipira, mistura do almoço, estava limpo, picado e pronto para a panela. Três exemplares de boa idade.
Cheguei junto com os homens que estavam no encalço da “marvada”. Como passava das onze horas e o almoço podia demorar, o solerte Assis pôs sobre a mesa uma generosa porção de carne de porco assada que tinha comprado na cidade. Com aquele petisco, a cachaça virou mel.
Quando o almoço ficou pronto, a turma se empanturrou. Preparado no fogão a lenha e servido com angu, o frango caipira fez do resto uma trivialidade. Sobraram esgualepos na panela e uma montanha de ossos sobre a mesa. Depois do mutirão para lavar a louça e arrumar a cozinha, deitei-me numa rede na varanda para a revigorante sesta.
Foi quando, olhando o céu azul, retrocedi ao tempo em que, bem jovens, eu, aqueles homens na cozinha e mais um ou outro que já se foi, visitávamos amiúde a vizinha Cachoeira de Minas em busca de aventuras.
Como, por exemplo, empurrar o ônibus no morro do “Mojano”, onde um chuvisco ou uma noite orvalhada era suficiente para fazer do lugar um sabão. Se quisesse chegar ao destino tinha que descer e empurrar. Uma subida íngreme, interminável.
Voltar a pé para a casa na roça, em Furnas, no breu da noite depois do footing na praça da igreja, era outra aventura. Assis à frente, cortávamos caminho pelo mato, em fila indiana, tropeçando em touceiras de capim barba-de-bode, escalando cupins, pisando em buracos e passando por plantações de milho, mandioca, fumo etc. Pura diversão, mas nada comparado ao que foi entrar no baile de formatura do colégio local.
Soubemos do baile ao chegar numa sexta-feira. E assanhamos. A cidade falava do evento com entusiasmo. A gente tinha que ir, pois todas as garotas do lugar estariam lá. Convite não era problema; a roupa, sim, porque a organização exigia traje social completo, e ninguém entre os recém-chegados tinha paletó e gravata.
Foi aí que o Assis entabulou um plano mancomunado com tio Nego, nosso hospedeiro, um homem alto, de braços longos e corpo esguio. Ele ia ao baile. Portanto, o problema estava resolvido, disse o cabeça pensante e estrategista do grupo.
Só soubemos do esquema quando, do hall do salão no piso superior, onde rolava o arrasta-pé, vimos voar para os braços do Assis, na calçada, o paletó preto do tio. A gravata estava no bolso.
Foi como os sete forasteiros entraram no baile. Enquanto alguém entretinha o segurança com uma conversa fiada, o paletó caía do hall para vestir alguém. Assis foi o último a entrar. Como a muda exibia notável sobra, o porteiro indagou, cismado, se aquele paletó não lhe era demasiado grande.
–– Fazer o quê se o defunto era maior?, respondeu, irônico. E entrou sem alongar a conversa.
Foi lembrando dessas bem-humoradas peripécias de um tempo dinossáurico que adormeci na rede. Acordei com o Assis (olhe ele aí com outra ideia genial!) sugerindo ao Gonçalves, anfitrião em Ouros, contar com os préstimos deste humilde escrevedor de histórias para abrir sessenta covas destinadas ao plantio de mudas de abacate.
Estafado só de pensar na magnitude da tarefa, fingi-me de morto. Por sorte, era apenas uma brincadeira de quem sabe que não posso com uma gata pelo rabo.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.