Desde a juventude, sempre fui um leitor voraz de história do Brasil, especialmente dos acontecimentos na área da política e, mais especialmente ainda, das revoltas sociais e da luta armada.
Li e reli tantos livros, vi tantos filmes, assisti a tantos documentários, que conheço pelo nome a maioria dos antigos terroristas que fizeram uma tentativa de tomada do poder pelas armas após o movimento de 1964, entre 1968 e por volta de 1974.
Revendo mentalmente aquela aventura esquerdista de transformar o Brasil em um país socialista/comunista, o que me salta aos olhos é a precariedade daquele “terrorismo à brasileira”. Não havia armas, era preciso roubá-las dos parentes, emprestá-las com amigos ou mesmo expropriá-las, como fez o capitão do exército Carlos Lamarca quando desertou do quartel de Quitaúna, na região da Grande São Paulo, com uma kombi cheia de armas e munições.
Porém, o que mais me chama atenção na luta armada daqueles tempos era a imensa dificuldade de comunicação entre os guerrilheiros. Pior ainda a dos guerrilheiros com o que eles chamavam de “as massas”. Panfletos impressos em mimeógrafos (um troço movido a álcool que imprimia material subversivo com uma qualidade sofrível), discursos rápidos em meio a ações de roubo a bancos, também chamadas de expropriações, conversas sussurradas com uma população amedrontada e pouco a fim de falar de política em uma época de “Brasil grande” e pleno emprego.
Os terroristas da época tinham que viver em aparelhos, nome que se dava às casas e apartamentos onde se escondiam da repressão policial. Para a comunicação entre um guerrilheiro e outro, eram marcados “pontos”, com palavras-chave e várias checagens para garantir que não foram seguidos e acabarem nos chamados “porões do regime”.
Telefone? Nem pensar. Primeiro, que o serviço de telefonia no Brasil daquela época esgotava a paciência de qualquer um –inclusive de guerrilheiros. Segundo, porque apesar de não ser muito fácil o grampo e o rastreamento das ligações, isso não era impossível. Foi assim, me recordo, que a equipe do delegado Fleury conseguiu descobrir o ponto marcado pelo terrorista Carlos Marighella, na alameda Casa Branca, nos Jardins, varando o sujeito de tiros vindos de todos os lados. Marighella havia telefonado para uma livraria tocada por frades dominicanos que colaboraram com o movimento guerrilheiro e a ligação fora interceptada.
Resumindo. Fazer luta armada naqueles tempos era, como se provou, uma tarefa impossível. Pouquíssimos guerrilheiros, uma rede um pouco maior de simpatizantes, quase nenhum recurso e um distanciamento quase total da população, que ainda por cima era submetida a uma censura rigorosa dos meios de comunicação.
Golpe por celular e patrocinado
Quanta diferença dos tempos bicudos que estamos vivendo. Agora, uma ideologia golpista de direita pretende tomar o poder sob várias alegações absurdas, como uma ridícula fraude via urnas eletrônicas, uma suposta ditadura do STF, uma equivocada acusação a uma tal de “mídia lixo” etc. etc. Tudo para tentar reverter a derrota do seu líder, o populista Jair Bolsonaro.
Porém, promover golpe de estado nos dias de hoje é, como se dizia, mais fácil que roubar doce de criança. Vejamos:
1 – O golpe é terceirizado – Você pede para as Forças Armadas tomarem o poder, o devolverem ao “mito”, e vai para casa comer uma pizza com a família.
2 – O golpe é financiado – Você escolhe o local ideal, em frente a unidades militares e lá é instalado um acampamento de primeira, com refeitório, local para banho, serviço de som e barracas para um soninho reparador. Tudo financiado por empresários, alguns nem se importando em mostrar a cara. Armas? É fácil conseguir. Basta montar um clube de caça e comprar tudo como colecionar ou praticante de tiro esportivo.
3 – O golpe é público – Você fala abertamente em casa, nas ruas, nos bares, nos supermercados, sobre as barbaridades que pretende cometer. Além disso, a tal “mídia lixo” divulga todos os passos do movimento, além de uma espécie de “mídia luxo” que, não contente em divulgar, incita o povo a golpear as instituições.
4 – O golpe é tolerado – Isto mesmo. Gente que deveria estar cumprindo ordens e defendendo as instituições participa alegremente da logística golpista. Áreas públicas são ocupadas, estradas são bloqueadas e as forças policiais dizem que está tudo bem. Até um bocó perdido no Ministério da Defesa do novo governo diz que tinha parentes e amigos em acampamentos, ou seja, que é tudo gente boa.
5 – O golpe tem as redes sociais – Você quer saber como participar do golpe? É facílimo. Centenas de grupos no WhatsApp e Telegram, entre outras mídias sociais, propagam o golpismo vinte e quatro horas por dia. Ordens são transmitidas, fake news fervilham, convocações são feitas à vontade, no mundo inteiro, graças às maravilhas da Internet.
Vamos falar sério?
Percebeu o perigo? Se os terroristas dos anos 60 e 70 tivessem dez por cento das facilidades que os golpistas atuais possuem, o Brasil teria se transformado, naquele momento, na ditadura de esquerda que as autoridades tanto denunciavam.
É por isso que precisamos urgentemente que as instituições cumpram o seu papel para garantir a democracia no país. Governos têm que acionar suas polícias; o Legislativo tem que votar leis mais duras para punir os infratores, desde os chefes até os inocentes úteis; o Judiciário tem que atuar unido em torno da questão emergencial que é a garantia da ordem.
Caso não haja medidas duras e tolerância zero contra os ataques à democracia, corremos o seríssimo risco de uma guerra civil no Brasil, com trágicas consequências para várias gerações, ou seja, você, seus filhos, netos, bisnetos etc.
Fique claro que, aqui, não se propõe censura, autoritarismo, descumprimento das leis, nem “passar paninho” para a corrupção. O que se propõe é que o regime democrático seja garantido: os governos eleitos governam, as oposições e os cidadãos fiscalizam, os juízes garantem o cumprimento das regras do jogo, as Forças Armadas cumprem o papel constitucional de defender o Estado brasileiro. E a cada eleição o povo vota livremente em candidatos de esquerda, de centro ou de direita. E que a vontade dele seja respeitada.
É tão difícil fazer o óbvio?
Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 47 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 21 anos.