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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Fiquei admirado quando, alguns dias atrás, o governo federal e os principais bancos do país admitiram que o cidadão brasileiro está à mercê de todo tipo de golpe, seja presencial, seja via internet. O motivo foi o tal Desenrola Brasil, um programa que merece elogios ao renegociar dívidas que nunca seriam pagas e, ao mesmo tempo, reabilitar milhões de pessoas a continuarem se endividando.

O alerta de bancos e governo só mostra o quanto os criminosos de todos os níveis e capacidades estão à espreita de novas oportunidades de faturar com o cidadão honesto e com projetos bem-intencionados. No caso do Desenrola, a estratégia dos bandidos é se antecipar ao contato entre devedor e credor, fazendo o primeiro pensar que está pagando ao segundo e, no final, deixar o segundo chupando o dedo.

Você pode dizer: – Ah, eles só estão alertando o povo para proteger o seu dinheiro, têm interesse direto nisso. – E eu concordo. Mas, de qualquer forma, o aviso também protege os devedores, porque não é brincadeira o que tem de gente que cai como patinho nas armadilhas dos gatunos.

Mas o governo poderia –e deveria– fazer mais nesse campo. Não só procurando se antecipar aos golpes com varreduras no Google e nas redes sociais, mas ampliando a proteção ao cidadão contra ataques, principalmente os que se valem do acesso a dados sensíveis que podem ser usados contra ele.

E aí entramos em uma seara delicada: a proteção aos idosos. Eu mesmo, um idoso novato, porém assumidíssimo, tenho convivido com uma situação que ultrapassa a simples estratégia comercial e beira o ato criminoso. Explico.

Desde abril, quando me aposentei pelo INSS e passei a receber alguns caraminguás para me amparar na velhice –depois de exatos 50 anos do primeiro registro na carteira de trabalho–, passei a conviver com uma rotina infernal. Uns quinze dias antes da concessão do benefício, antes que eu mesmo soubesse disso, passei a receber ligações diárias de gente falando em nome dos mais diversos bancos, conhecidos e desconhecidos, dando-me a seguinte boa nova:

– Parabéns! Agora o senhor tem direito ao benefício pré-aprovado do INSS, tem um crédito aqui de 40 mil reais [os valores variam] e é só aceitar para a gente já transferir o dinheiro para a sua conta.

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Explico melhor. Esse pessoal bonzinho, que me liga até umas dez vezes por dia, ficou sabendo que eu passei a ter direito a uma aposentadoria e já armou uma arapuca para me capturar em um empréstimo consignado de três anos ou mais, com juros menores que os de mercado, mas sempre juros.

Aí eu pergunto a você. Como esses bancos –e sei lá quem mais– têm acesso a uma informação que só deveria interessar a mim e ao INSS? Onde está a tal LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados, tão alardeada pelos governos quando se trata de não divulgar informações que não sejam do interesse deles?

O fato é que essa gente tem acesso aos dados de milhões de brasileiros que recebem da Previdência Social. Essa gente sabe o quanto você recebe de benefício mensal e o quanto pode comprometer esse benefício em empréstimos consignados que vão dependurar você em uma dívida de longo prazo. Ou seja, é quase um crime.

E aí a gente vê, de vez em quando, Procons e outros órgãos fazendo alertas aos idosos para se protegerem de golpes contra as suas economias. Falam para o idoso tomar cuidado com os parentes gananciosos e com os bandidos de um modo geral. Mas, pelo jeito, nada fazem contra os bancos e outras instituições financeiras que querem abocanhar juros dos aposentados na forma de empréstimos que eles não pediram e quase sempre não precisam.

Acho que agora você já entendeu o título desta crônica-artigo-denúncia-chororô. Ao mesmo tempo que lhe dá benefícios, o governo pode deixar você desprotegido contra todo tipo de esperteza de quem quer se apoderar do seu dinheiro e prejudicar os seus direitos. No caso acima, a boa notícia é a concessão do benefício, e a má notícia é não proteger o cidadão da ação dos espertos e dos golpistas.

Para não dizerem que eu estou exagerando, dou um outro exemplo fresquinho. O governo federal está de olho na fortuna que pode entrar nos seus cofres com a regulamentação do negócio de apostas esportivas no país. Hoje, várias empresas atuam nessa área, mas todas com sede fora do país, já que não têm autorização para funcionar no Brasil. Com a regulamentação, ficam livres para esfolar o brasileiro, mas, ao mesmo tempo, terão que dividir o butim com o governo.

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Você vai dizer que aposta quem quer. Concordo. Mas, francamente, isso lá é papel de um governo, uma instituição criada para defender os interesses do cidadão? Não custa lembrar que esse mesmo governo já opera, através da Caixa, um outro negócio duvidoso, as apostas de tudo o que é tipo, como Mega-Sena e suas parentes?

E agora, como se as loterias oficiais não bastassem, chegam as empresas estrangeiras com suas mutretas para tirar dinheiro dos incautos. Não custa lembrar os escândalos recentes, com jogadores de futebol recebendo para errar pênaltis, tomar cartão e outras barbaridades.

No meio de tudo isso, fica exposto o cidadão brasileiro, que deveria ter o governo que o representa protegendo seus interesses. Tudo em nome de uma fatia da arrecadação, à qual dão o pomposo nome de imposto.

Nesse ritmo em que as coisas caminham, está perto o dia em que grandes grupos irão conseguir a aprovação do governo para a volta dos cassinos ao Brasil, praticando todo tipo de esperteza –ou seria safadeza?– para tirar dinheiro do povo, sempre em “sociedade”, é claro, com o próprio governo.

Para nós, as vítimas desses acordos, fica a obrigação de não confiar em ninguém quando se trata de proteger o nosso dinheirinho. Nem nos governos.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.

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