Fernando Petiti e sua farmácia, que funciona no miolo da Vila Ema há 41 anos. Foto / SuperBairro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

A Farmácia Comunitária do Petiti é uma das “marcas registradas” da Vila Ema, fazendo o bem sem olhar a quem

 

WAGNER MATHEUS

Desde o distante ano de 1980, o sobrenome Petiti leva a marca do trabalho social. O mineiro Aloísio Petiti criou naquele ano a Farmácia Comunitária, cujo modelo é simples e, ao mesmo tempo, complexo: receber doações de medicamentos e repassá-los a quem precisa.

Com a morte do fundador, em 2003, o filho Fernando assumiu o cargo de coordenador da entidade, que teve suas duas sedes principais na Vila Ema. A farmácia já chegou a atender, em média, 400 pessoas por dia, ou seja, quase 10 mil por mês. Na pandemia, passou a atender mais por telefone para evitar aglomerações.

Petiti tem dois filhos e garante que eles já absorveram noções do trabalho social que ele desenvolve. Tudo indica que o sobrenome Petiti será ainda por muitos anos sinônimo de farmácia comunitária e de solidariedade.

Veja, a seguir, a íntegra da entrevista do SuperBairro com Fernando Petiti, que também é vereador no município pelo MDB.

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 Petiti, quando foi criada a Farmácia Comunitária? Ela já nasceu com esse nome?

O nome da entidade é Cidade da Fraternidade. Meu pai fez um estatuto com um grupo e fundou a Cidade da Fraternidade com o objetivo de ter a farmácia comunitária como braço mais forte. A farmácia chegou a ter médicos atendendo. A ideia da Cidade da Fraternidade era ter um terreno mais amplo para ter médicos atendendo, como atualmente a gente vê nas clínicas populares. Meu pai era uma pessoa à frente do seu tempo pelo trabalho social que ele criou. E hoje a gente vê outras pessoas criando farmácias comunitárias, muitos municípios que, primeiro meu pai e agora eu, nós ajudamos a abrir suas farmácias em igrejas, centros espíritas… não é fácil manter, é um trabalho árduo.

Em que dia foi criada?

A gente intitula como 24 de novembro de 1980. Aí é o oficial, mas já atendi gente aqui que disse que pegava remédios com meu pai há uns 45 ou 50 anos. A cidade conheceu meu pai, foi um homem público, sempre ajudou muito socialmente. Então, tudo o que as pessoas pediam ele procurava ajudar, tirava do bolso, fazia campanha, enfim, dava um jeito de atender. Os remédios sempre foram um dos objetivos dele. Até que ele enxergou que poderia estruturar uma farmácia comunitária.

Aloísio Petiti, o fundador da Farmácia Comunitária. Foto / Reprodução

O seu pai veio de onde?

Meu pai, Aloísio Petiti, veio de Varginha, Minas Gerais, antes de os ETs aparecerem por lá [risos…].

Ele era espírita, é isso?

Sim, espírita. E o nome oficial da farmácia, um braço da Cidade da Fraternidade, é Farmácia Comunitária Dr. Adolfo Bezerra de Menezes. E ela acabou tendo o apelido carinhoso de Farmácia Comunitária do Petiti com o falecimento dele, em 2003. Muitos a conhecem também como Farmácia Comunitária da Vila Ema, porque foi aqui que ela foi criada.

Como surgiu a ideia da farmácia?

Ele começou a ver que havia sobras de medicamentos em entidades da Capital. Começou a fazer uma lista de contatos e até hoje existe essa lista…

Como acontece essa sobra de medicamentos?

Vou pegar um exemplo. Havia uma entidade, que era até ligada à Prefeitura de São Paulo, que atendia jovens e gestantes carentes, tinha atendimento médico e fornecia medicamentos para essas jovens, com trabalho psicológico, atendimento em todas as esferas. E essa entidade recebia muito medicamento. Ele fez contato com ela e o responsável disse que eles recebiam medicamentos de todos os tipos, de coração, de pressão, vários, e não eram remédios para o público-alvo deles. Havia sobra. O mesmo acontecia com outras entidades, cada uma com sua história, que acabavam recebendo remédios demais e não tinham uso para aqueles medicamentos.

Foi a primeira de São José?

Depois essa ideia se expandiu, existem outras farmácias desse tipo aqui em São José, mas a nossa é a mais antiga. E foi a primeira a ser oficializada como farmácia comunitária. Aliás, é bom frisar que ela segue a mesma regra de uma farmácia comercial quanto a conservação, tem farmacêutica responsável e segue as normas da Vigilância Sanitária, que são bem rígidas.

Esta é a segunda sede de vocês, certo?

Nós estávamos na Comendador Remo Cesaroni e viemos aqui para a Jorge Barbosa Moreira. Teve ainda uma época, atrás do Parque Vicentina Aranha, na rua Leonardo Pinto da Cunha, onde começou o trabalho de oferecer medicamentos. Meu pai era sócio de um engenheiro civil ali e teve a ideia de usar uma sala do escritório para colocar alguns medicamentos. Mas, de lá, veio direto para a Remo Cesaroni. Quando mudamos para cá, no dia 17 de janeiro de 2017, um número até cabalístico, essa casa teve que seguir as regras da Vigilância Sanitária, paredes brancas, o piso lisinho, prateleiras novas, ar-condicionado, tem todas essas regras. Então, somos legalizados pelo Conselho Regional de Farmácia e pela Vigilância Sanitária. Temos os Bombeiros também, que nos fiscalizam anualmente. É como eu sempre digo, é interessante começar um trabalho social, muitas pessoas precisam, nós vivemos em um dos países mais desiguais do mundo, mas quando você abre um trabalho social é como se fosse uma empresa. Tem que seguir as regras. E sentir que você está entregando algo que vai fazer a diferença na vida da pessoa naquele momento que ela está precisando.

 

“Meu pai ajudou várias cidades do Triângulo Mineiro e do Sul de Minas a abrirem suas farmácias comunitárias.”

 

Você já disse que ela é a primeira farmácia comunitária de São José. Seria também uma das primeiras do país?

Uma das primeiras. Eu soube que, não sei se veio antes ou se nasceram praticamente juntas, dentro da Faculdade de Medicina de Taubaté havia também entrega de medicamentos gratuitos. Foi quase no mesmo momento. Mas depois meu pai ajudou várias cidades do Triângulo Mineiro e do Sul de Minas a abrirem suas farmácias comunitárias.

Criou um modelo…

Sim, criou um modelo. E não como um ato político dele [Aloísio Petiti foi vereador em São José dos Campos], era Sul de Minas, não havia um retorno desse tipo, o intuito mesmo era ajudar. Aliás, a realidade da farmácia comunitária aqui é totalmente separada da política, nós atendemos a todos, basta chegar com a receita. Não vou mencionar aqui, mas outro dia um vereador disse no microfone da Câmara que vem aqui buscar medicamentos e testemunhou que a gente não se importa se ele está levando esse medicamento para ajudar alguém. É o que eu sempre falo, se a gente não separar [a farmácia da política], a coisa não anda.

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E a equipe, é formada só por voluntários?

Alguns são voluntários e alguns a gente banca. A farmacêutica responsável recebe o piso salarial, pagamos todos os encargos, tudo certinho. E como nós fazemos para manter isso? Fazemos eventos durante o ano. Temos um bingo que já é famoso, todo mundo gosta, tem prendas boas, lanche, boa organização. E também fazemos um evento grande, que já chegou a ser um jantar, feijoada e, depois, ouvindo a dica de uma proprietária de bufê, mudamos para o Boteco da Farmácia Comunitária. São porções de mandioca, coxinha, linguicinha, patê… é um sucesso, todo mundo gosta. Já fizemos dois eventos desse tipo e, em 2022, devemos fazer o próximo. Estamos tentando fechar um local em março ou abril para voltarmos com os eventos, porque é o que nos ajuda financeiramente. E quando você passa pela pandemia sem esses eventos, fica com pendências que não consegue pagar de imediato. Também temos um bazar da pechincha aqui na frente. Ajuda bem, a gente paga o aluguel. Funciona de segunda a sábado. Quem comanda o bazar chega às 7 da manhã, então sempre está aberto bem cedinho.

Seguindo as regras: as exigências para manter uma farmácia comunitária são as mesmas de uma farmácia comercial. Foto / SuperBairro

Como fizeram na pandemia?

Tivemos a ajuda de empresários amigos que entenderam, que conhecem o nosso trabalho, sabem dessa diferenciação entre o social e o político, sabem que é um trabalho sério. É claro que essa questão da política não dá para não falar, às vezes remete à política por causa do meu pai e eu também na vida política. Mas eu sempre falei que, ou você tem um trabalho social e trabalha sério, ou não faz nada. Meu pai me deixou uma luz forte e quero que meus filhos cresçam e sigam o mesmo caminho de seriedade.

Falando nessa passagem de pai para filho, quando você entrou realmente na farmácia?

Eu ajudava, mas passei a coordenar quando, no dia 27 de julho de 2003, dia de aniversário da cidade, meu pai faleceu e eu assumi. Ele morreu em um domingo e reabrimos a entidade na quarta-feira, dia 30.

Você já tinha mandato?

Não, não tinha, foi um ano e meio antes da minha primeira posse. Politicamente foi assim, meu pai já estava anunciando para algumas pessoas que iria me lançar, já estava divulgando. E é claro, todo o trabalho que meu pai deixou foi decisivo na primeira eleição, afinal quase ninguém me conhecia, a não ser meus amigos, e a gente foi galgando esse espaço. O nome que meu pai deixou foi muito importante, faz 18 anos que ele nos deixou e muita gente ainda fala dele.

E você aprendeu a gostar desse trabalho?

Sim, é um aprendizado. Até fizemos um vídeo falando do aniversário da farmácia, mas sempre que eu paro para pensar na minha infância vejo meu pai ajudando alguém. E tem um fato engraçado. Meu pai fez muitas campanhas para cirurgia, cadeira de rodas, sempre conseguia. Ele ligava para os amigos e dizia, “oi Fulano, estou fazendo uma campanha aqui para uma cadeira de rodas, preciso de 100 reais de você”, e tchau, desligava o telefone. [risos…] E eu pensava, mas ele não teve nem tempo de responder… e a ajuda sempre chegava.

 

“Nós chegamos a atender 400 pessoas por dia, isso um pouco antes da pandemia, em seis dias por semana.”

 

Qual é a média de atendimento da farmácia?

Nós chegamos a atender 400 pessoas por dia, isso um pouco antes da pandemia, em seis dias por semana. Com a pandemia, disponibilizamos dois telefones para as pessoas ligarem. A pessoa liga, fica sabendo se tem o remédio e não perde a viagem. Com isso, evitamos aglomeração. Tem fila, mas não é aquela coisa gigantesca. Também acontece de a pessoa ligar, pedir cinco medicamentos e a gente ter só um. Ela vem e retira aquele medicamento. Como chega remédio a toda hora, os outros que ela precisa vão chegando e vamos avisando; se ela não conseguir tudo, consegue a maioria.

O seu estoque atende a que proporção da procura?

Acho que atendemos a uns 85% da procura. Outro dia, esqueci um papel aqui e vim no horário de almoço. E chegou um rapaz com uma receita de dois remédios para câncer que ele recebia do governo do estado, mas um deles não estava chegando e não havia previsão. E tinha aqui. É gratificante poder proporcionar um alívio para as pessoas que nos procuram. Outra história interessante aconteceu na nossa sede anterior, na Remo Cesaroni. Havia um corredor isolado e nós mantínhamos cachorros ali. Fiquei em um sábado para passear com os cachorros depois do fechamento da farmácia, ao meio-dia. Quando eu estava para sair com os cachorros, tocou a campainha e uma senhora japonesa deixou um saco com doações para a farmácia. Agradeci e coloquei o saco em um espaço destinado a quarentena, onde as doações passarão por uma triagem antes de entrar no estoque. Ela saiu e, antes que eu pudesse sair também com os cachorros, batem palmas na calçada. Era um rapaz especial que sempre vinha na farmácia, com a fala bem lenta, me entregou uma receita. Um dos remédios nós tínhamos, mas ele precisava também de Omeprazol, para o estômago, era uma época que não chegava muito Omeprazol para nós. Respondi ao rapaz que não tínhamos, ele lamentou, agradeceu e saiu. Foi quando eu ouvi nitidamente uma voz dizendo: “Olha no saco da japonesa!” Fui verificar e estavam lá 21 comprimidos de Omeprazol.

Você, como espírita, está se referindo a uma voz…

Uma voz mesmo… Fui lá, atendi o rapaz e depois agradeci à voz.

Qual é a regra para quem quer doar? Principalmente aquelas pessoas que deixam de usar medicamentos e preferem doar em vez de mantê-los guardados em casa, como devem fazer?

Tem pessoas que vêm até aqui para deixar remédios, tem alguns médicos que são colaboradores nossos, agradeço muito a todos eles. Para as pessoas físicas, a recomendação é ficarem atentas com aquela gaveta onde guardam os remédios básicos, porque o prazo de validade passa muito rápido. Às vezes, um remédio que faltam três ou quatro meses para vencer, nos ajuda muito aqui.

Pechinchas: o bazar, que funciona de segunda a sábado, ajuda a pagar as despesas. Foto / SuperBairro

E tudo é bem-vindo…

Nós não temos noção do que é muito ou do que é pouco, o que importa é ter o remédio quando é procurado. Um dia chegou na farmácia uma senhora com receita de um colírio. Nós não tínhamos, mas vi que a senhora precisava com urgência e pedi a uma funcionária que fosse comprar na farmácia, dei a ela o cartão de crédito e disse que, se fosse muito caro, parcelasse, mas não deixasse de trazer. Quando voltou, a funcionária sorria com o colírio nas mãos. Havia custado 6 reais…

 

“A pessoa que está lendo esta entrevista agora deve saber que nós aceitamos todo tipo de medicamento.”

 

Então qualquer doação é válida, mesmo de medicamentos superbaratos.

Sim. A pessoa que está lendo esta entrevista agora e fica conhecendo o trabalho da farmácia comunitária, deve saber que nós aceitamos todo tipo de medicamento. Tem pessoa que toma um medicamento e não se dá bem, outras vezes a pessoa em tratamento falece, tudo isso é bem-vindo, em qualquer quantidade.

Qual é o prazo mínimo de validade para a pessoa doar?

As farmácias comerciais retiram os medicamentos do estoque, creio, com quatro ou cinco meses antes de perderem a validade. Aqui nós usamos até um mês antes. Mas para recebermos a doação tem que ser caixa fechada. Se tiver dúvida, basta ligar aqui na farmácia.

Vocês também emprestam cadeiras de rodas e andadores, não é?

Sim, cadeiras de banho também. A pessoa faz uma ficha e retira, não tem limite de tempo. Nós temos um caso aqui de uma cadeira de rodas que o pessoal pegou em 1986. É claro que a pessoa que pegou deve ter consciência de devolver quando não precisar mais do aparelho. Nós temos uma lista de espera.

Petiti, quantas farmácias comunitárias existem hoje em São José?

Acho que temos cinco.

 

“É claro que eu falo do meu trabalho político, mas nunca aqui dentro. Aqui nós nunca falamos, mas fora daqui é normal.”

 

A criação de novas farmácias afetou o volume de doações que vocês recebem e o de procura por quem precisa?

Eu não senti isso. Na verdade, nenhuma dessas cinco é do nosso tamanho e nem tem um horário tão amplo de atendimento. Até fizemos durante um tempo um cartão nosso que também tinha o endereço das outras farmácias. Porque esse é um trabalho social. É claro que eu falo do meu trabalho político, mas nunca aqui dentro. Aqui nós nunca falamos, mas fora daqui é normal. Então, mostrar o endereço das demais farmácias é uma forma de realmente prestar serviço. A ideia é focar na solidariedade, ajudar sem olhar a quem.

A farmácia já passou de pai para filho. E como vai ser com a nova geração?

Tenho dois filhos, mas são novinhos, vamos ver se um dia eles irão tocar a farmácia. É um caminho longo. Temos o Renato, que faz 7 anos daqui a uma semana, e a Isabel, com cinco anos. Eles já vêm aqui, ajudam a carregar caixas, já conhecem um pouco da ideia. E é isso que eles têm que levar para a vida. Eu tenho uma teoria de que todo mundo deveria criar um trabalho social ou participar de algo que já existe. A gente vê que o brasileiro sempre precisou de ajuda e sempre vai precisar. Agora então, na pandemia, muita gente que nunca veio aqui passou a vir, as pessoas precisam mesmo.

Este é o recado que você deixa neste final de entrevista?

Uma vez tive oportunidade de assistir a uma palestra com o Bernardinho [treinador de seleções brasileiras de vôlei]. E ele disse mais ou menos o seguinte: “Todos vocês que estão aqui tiveram uma oportunidade na vida, tiveram alguém que os orientou, um irmão, um pai, um tio, sempre tiveram um caminho aberto. E vocês têm que pagar à sociedade por isso que receberam. Então participem de algum trabalho social, façam a sua parte tentando melhorar a vida de pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que vocês”. Eu já pensava assim, mas depois de ouvir o Bernardinho, fiquei ainda mais convencido de que o caminho é esse.

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Serviço

– O quê? – Farmácia Comunitária Petiti

– Onde? – Rua Jorge Barbosa Moreira, 352 – Vila Ema (região central)

– Quando? – De segunda a sábado, das 8h às 12h

– Contato – (12) 3943-2502 / (12) 99159-6005

– Facebook – facebook.com/farmaciacomunitariapetiti/