O “grito” deste dia 7 de setembro não pode ser outro. Enquanto tem gente por aí flertando com a violência e o radicalismo, o país está dando mole para o inimigo mais poderoso que poderia enfrentar: a alta da inflação.
Quem se entende por gente pensante de 1994 para cá, talvez diga que eu exagero. Os de 1994 para trás, sabem que digo a verdade. A alta do custo de vida destruiu os sonhos de algumas gerações de brasileiros que tiveram de abrir mão dos seus projetos para comprar o pão de cada dia.
Vou citar, entre aspas, uma informação publicada na Piauí, a melhor revista do Brasil já há alguns anos: “Pressionada pelo aumento da conta de luz, a inflação acumulada em doze meses chegou à marca de dois dígitos em quatro capitais. De agosto de 2020 a agosto de 2021, o preço do óleo de cozinha aumentou 78%, o do arroz, 36%, e o da carne, 31%. A gasolina subiu 39%, e a energia elétrica, 20%. Isso já se reflete no aumento da pobreza no país, que se deu de forma generalizada entre os estados, segundo pesquisa da FGV”.
Gente da minha geração começa a perder o sono com notícias desse tipo. É o filho ou a filha que terá de trancar matrícula na faculdade, é o plano de saúde que será trocado pelo SUS; para os mais jovens, é a compra do imóvel próprio que será adiada, é o casamento que, depois de prejudicado pela pandemia, agora é inviabilizado pela alta dos preços…
E para quem acha que em tempo de inflação nas alturas vai poder se equilibrar no crédito que tem hoje no banco, no cartão, nas lojas, nas construtoras, pode tirar o cavalinho da chuva. O sistema financeiro é o primeiro a recuar quando a confiança na economia do país fica abalada. Ninguém quer dar dinheiro para quem não vai poder pagar, entendeu?
Os meus raríssimos inimigos, meia dúzia, dizem –ou pensam, mas não dizem– que eu escrevo muito sobre mim aqui neste espaço. Concordo em termos. Acontece que o gênero literário da crônica pede que o autor mergulhe de cabeça no tema que está abordando. É o que eu faço.
Outros inimigos –e até alguns amigos– dizem que eu escrevo crônicas/artigos quilométricos. A estes, eu respondo de maneira diferente: “vocês estão cheios de razão”. Prometo tentar ser mais econômico nas palavras, juro.
Até porque, economia deve ser a palavra da moda daqui por diante e, sabe-se lá, até quando. Parece que, mais uma vez, vamos ter de voltar a falar da alta do custo de vida, da escalada dos preços, do “dragão” da inflação, termos que ficaram famosos nos anos 70, 80 e até em meados dos 90, para tentar explicar, tentar entender, ou simplesmente protestar contra a velha e malvada “carestia”, o termo que estava na boca de qualquer dona de casa até os anos 60.
Para mim, é tão nítido quanto o dia de ontem o período em que vivi sob inflação alta, altíssima, escandalosa, criminosa e por aí vai. Tudo começou por volta de 1973, quando o cartel dos maiores produtores de petróleo do mundo, sob a marca Opep, decidiu subir assustadoramente o preço do barril do “ouro negro” no mercado internacional.
A medida pegou no contrapé o governo brasileiro, do bem-intencionado e competente general Ernesto Geisel. Desde o “milagre brasileiro” vivido pelo país, principalmente no período de governo do general Emílio Garrastazu Médici, o Brasil crescia a taxas que hoje só a China ousa crescer, mas fez a opção por captar muito investimento em empréstimos no exterior, em dólares, para financiar o seu crescimento.
Não deu tempo para mudar nada. Os preços internacionais explodiram, os empréstimos em dólar ficaram caríssimos para serem pagos, passando a ser renegociados e “rolados”, e o Brasil começou a sofrer com o aumento da taxa de inflação.
A escalada dos preços era terrível, dia a dia, mês a mês, ano a ano. Pelo menos por duas vezes o Brasil foi considerado “falido” pelo mercado financeiro internacional. Em 1982, já no último governo militar, do general João Baptista de Oliveira Figueiredo, foi necessário um socorro do Tesouro dos Estados Unidos para que a “falência” não fosse decretada. Tipo o cunhado cobrir na segunda-feira o cheque sem fundos que você emitiu no fim de semana.
Como foi a “inflação galopante” na minha vida? Posso dizer que só consegui comprar um imóvel próprio em 1994, aos 36 anos de idade e com 21 anos de carreira profissional. E só consegui me mudar para ele no ano 2000, porque o comprei na planta, em 100 prestações. A minha renda de salários e outros serviços não era indexada –outro termo famoso na época– à taxa de inflação, como era a dos funcionários públicos e a dos empregados das grandes indústrias. Imagine você assumir um compromisso de mil cruzeiros hoje e ter de pagar mil e duzentos cruzeiros daqui a trinta dias se a taxa de inflação do mês for de vinte por cento! Só um doido compraria alguma coisa se não tivesse a sua renda reajustada mês a mês de acordo com a taxa de inflação do período.
E no dia a dia, como era viver em um país com inflação escandalosa? Lembro-me bem que, no dia em que recebia meu salário, chegava em casa e minha mulher já estava pronta para corrermos ao supermercado –o Piratininga do Jardim Satélite– e comprar o máximo de tudo, dois carrinhos e meio de produtos. Na época, ficou famosa a “maquininha” usada pelos funcionários dos supermercados para remarcar preços com novas etiquetas, quase diariamente. Adiar a ida ao supermercado era, a cada dia que passasse, trazer menos mercadorias para casa.
Comprei dois armários de aço da Marfinite e montei uma despensa na área de serviço do meu pequeno apartamento para estocar todo tipo de produto não-perecível. Até hoje tenho enjoo quando vejo o tal óleo Mazola, que graças a Deus mudou de embalagem. Chegamos a ter mais de 40 latas de Mazola em casa!
Chega de falar de mim. Vamos encerrar falando de nós e do nosso país. Enquanto as instituições vivem em clima de guerra, com ameaças de todos os lados, o grande inimigo do povo está se insinuando novamente. Tudo está voltando a subir de preço. Não interessa a explicação técnica dessa alta. O que importa é que ela deve ser detida o quanto antes.
Neste dia 7 de setembro, se você quiser fazer uma homenagem a quem nos libertou das garras de Portugal, embainhe a sua espada moral e grite a plenos pulmões: “Inflação baixa ou morte!”
A sua família e as gerações posteriores vão lhe agradecer.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.
*Texto atualizado às 11h52 do dia 8/9/2021 com revisão ortográfica e gramatical.