Acho que toda criança passa por algumas profissões idealizadas até ir se encaminhando para aquela que vai exercer na vida adulta. Hoje em dia, quase toda menina passa pelo sonho de ser médica veterinária ou cantora, entre outras carreiras. Já os meninos se inclinam mais para a ação, como jogadores de futebol ou policiais.
Não sei por que motivo, na minha infância a figura do bombeiro tinha mais visibilidade do que tem hoje. Lembro-me até de um presente de Natal que ganhei dos meus pais: um capacete de bombeiro todo brilhante, acho que era preto com detalhes em vermelho e dourado. Vinha no kit um cinturão, uma corda, a famosa machadinha de bombeiro e acho que só…
Não virei bombeiro não, era só a projeção de uma profissão cheia de aventura e heroísmo. E tenho certeza de que ainda é. A gente só volta a ligar os bombeiros a ações de coragem e heroísmo quando, é claro, precisamos deles. E aí eles não faltam com a sociedade, enfrentam fogo, água, ventos, tempestades, árvores caídas, desabamentos, salvando vidas e patrimônio.
E se eu te disser que chegou o momento de você, cidadão ou cidadã, voltar a pensar em ser bombeiro ou bombeira? (A palavra bombeira existe sim…). Você está preparado para ajudar o seu país nesta tarefa menos perigosa fisicamente, mas igualmente heroica?
Pois a hora chegou. Estamos assistindo a uma escalada de tensões, ameaças, blefes e provocações que prometem desaguar no dia 7 de setembro. Isto mesmo, no dia da pátria, no dia em que costumamos comemorar as conquistas da nação brasileira.
Esse clima apavorante vem sendo estimulado principalmente por um dos extremos que ameaçam a democracia brasileira nesse momento. É o extremo que fica à direita no espectro ideológico. Prometem tomar conta do país nesse dia de feriado. Prometem “colocar fogo” no Brasil em defesa das suas bandeiras que incluem voto “impresso e auditável”, oposição ao STF (Supremo Tribunal Federal), maior tolerância ao uso de armas, entre outras causas que se encaixam no jeito “neodireitista” de ser.
Como estamos vivendo uma bipolarização, é preciso que haja um segundo polo para justificar a existência do primeiro. Esse outro polo fica na extrema esquerda do espectro ideológico e é ocupado pelos simpatizantes do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, o Lula. Estes, além de justificarem a volta do ídolo, saído diretamente da prisão para tornar-se um “presidenciável”, combatem o que chamam de governo fascista, genocida etc. etc.
Está armado o circo para as mais estapafúrdias manifestações nas duas extremidades da política brasileira atual. Em resumo, a direita promete fazer tudo para livrar o Brasil do velho fantasma do comunismo; e a esquerda, por sua vez, se arregimenta para destruir o igualmente fantasmagórico e histórico fascismo que caracterizaria as ideias e atitudes do presidente Jair Bolsonaro.
Uma pausa necessária
Vamos combinar. Se você chegou até aqui e simpatizou com um desses dos lados, não temos mais nada a conversar, pelo menos por enquanto. Você é um extremista, seja de esquerda, seja de direita. Pule os próximos parágrafos e a gente se reencontra lá no final.
Mas se você não se encaixa em nenhum desses dois extremos, isso significa que você não é um radical. Aí podemos conversar. E aí entra a tarefa de bombeiro ou bombeira que está reservada a você nos próximos dias.
Hora de evitar o fogo
Cabe a todo cidadão não radical buscar uma pacificação, ainda que momentânea, no quadro político para que não venhamos a lamentar os dias tristes e trágicos que podem afetar a todos nós e às nossas famílias.
Você já ouviu falar em guerra civil? Já leu algo sobre Guernica? Já viu –e entendeu– a obra magistral de Pablo Picasso retratando esta cidade durante a Guerra Civil Espanhola? Sabe o que é ver vizinhos, amigos e parentes se dividindo, se enfrentando, se matando e colocando fogo, literalmente, em um país?
Acha que eu exagero? Pois algo muito próximo disso –ou até exatamente isso– pode vir a acontecer caso o admirável e histórico bom senso da população brasileira não seja o grande vitorioso nestes dias de radicalismos que estamos vivendo.
A proposta é simples
A julgar pelo que se estima por aí, teríamos algo em torno de 20% de adeptos de cada um dos lados. Ou seja, seriam cerca de 40% de radicais –é claro que os dois lados dirão que são mais numerosos que isso– e por volta de 60% de não radicais, que ocupam posições de centro-esquerda, centro e centro-direita no já mencionado espectro ideológico.
São esses 60% da população que podem, desde já e até chegarmos à eleição presidencial de 2022, desempenhar o papel de bombeiros e bombeiras a serviço da democracia e do entendimento. E como eles –ou nós, porque eu me incluo nesta maioria não radical– podem agir?
É muito fácil. Podemos agir eliminando os “focos de incêndio” que alguns estão teimando em soprar nessa atmosfera árida e ressequida para ver se eles se transformam em chamas gigantescas. Podemos agir não alimentando discussões inúteis neste momento; não pressionando autoridades; não exigindo posicionamentos absolutos e imutáveis; não radicalizando nas conversas nas ruas, nas fábricas, nos escritórios, nos bares e muito menos em casa.
Devemos fazer ainda mais. Devemos evitar fazer número nessas manifestações de radicais pró e contra a situação atual. Não seja mais um nas ruas antes, depois ou durante o 7 de setembro. Quanto menos expressivas forem quaisquer manifestações, quanto mais pacíficas ou isoladas elas forem, maiores serão as chances de chegarmos em clima de paz nas eleições de 2022.
Resumindo: em vez de ser um incendiário, seja um bombeiro.
Vamos todos combinar?
O artigo está no seu final e os chamados radicais estão convidados a voltar para a gente tentar fechar um acordo. Que todos os atores desse momento político especial que nós estamos vivendo no Brasil se preparem para o grande debate na campanha eleitoral, com regras, ordem e disciplina.
Ninguém aqui propõe a falta de discussão ou o abandono das teses de cada um. Ora, quer defender a ditadura do proletariado no Brasil? Pois defenda. Quer propor um governo extremista de direita? Faça isso. Quer buscar um candidato de centro, centro-esquerda ou centro-direita? É um direito seu. A campanha pode, dentro de suas regras, admitir bandeiras menos ou mais radicais. E a maioria julga a proposta vitoriosa nas urnas, o resultado é proclamado e depois aceito por todos. E tudo volta ao normal, com o grupo vitorioso governando e o grupo derrotado fazendo oposição.
Combinado?
A obra da foto – “Guernica é talvez a obra mais emblemática da carreira de Pablo Picasso e da arte do século XX. Medindo 349,3cm x 776,6cm, mostra os horrores do bombardeio à cidade basca de Guernica em 26 de abril de 1937. Durante a Guerra Civil Espanhola a cidade ficou em chamas após sucessivos ataques por aviões e Picasso, mesmo morando em Paris nessa época, não se calou diante do ocorrido depositando na tela todo seu pesar. A pintura, um óleo sobre tela, foi realizada a partir de 36 fotos que retrataram as dolorosas consequências da tragédia (…).” [Resumo do texto de Liane Carvalho Oleques, mestre em artes visuais e graduada em licenciatura em desenho e plástica. Publicado no site infoescola.com.]
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.