O carro apelidado de azeitona; ao fundo, a laje. Foto / Arquivo pessoal

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

No final de 2020 vendi o meu Chevrolet pouquíssimo rodado e comprei um carro sete anos mais velho, que está comigo. Foi a forma que achei de fazer um pouco de dinheiro para enfiar num quase sem fundo saco de uma construção.

O problema foi que cismei de fazer uma laje justamente quando, por estar em casa devido à pandemia, todo mundo deu de construir ou reformar. Com a forte demanda, o preço do material de construção disparou.

Mas, voltando à vaca fria do possante, ao submeter meu Volkswagen velhinho à sessão de fotos exigida pela seguradora, ouvi o que achei um elogio. Naquilo de abrir o capô, mostrar os sulcos dos pneus e exibir o lacre da placa e o número do chassi para a câmera, Jorge, meu corretor de seguros, que fazia os cliques, falou:

– Pelo ano, Carlos, este carro está em ótimo estado. Aliás, você sempre deu sorte comprando um usado, né?

Nem sempre, Jorge! –respondi. E lembrei-me de duas desventuras de tirar o sono, que conto sem aumentar ponto.

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Há muito tempo comprei um Chevette. Então inexperiente, deixei-me levar pela aparência e não experimentei o carro. Dei com os burros n’água. O danado era bonitinho, tinha boa máquina sob o capô, mas andava como caranguejo, de lado.

O motivo foi uma batida mal arrumada que passou despercebida ao fechar o negócio. Desaprumado, fui obrigado a encostá-lo no funileiro para desentortar a longarina e alinhar, pois o rodar cambeta comia o pneu como lima nova. Desgostoso, sapequei-o nos cobres depois do conserto.

Em outra ocasião adquiri um Monza que, não tenho dúvida, andava mancomunado com o Lázaro, mecânico da esquina da rua onde moro. Sempre num domingo, umas três vezes o lazarento me fez perder a missa por empacar, sabe onde? Em frente a oficina do Lázaro. Daí minha cisma de que tinha um caso com o vizinho. Sem contar que fedia gasolina o tempo inteiro.

Mas, de um modo geral, fui feliz no mercado de usados. Muito disso porque, confesso, quando esse é o negócio, não existe cara mais exigente e chato que eu. Vou fundo nos detalhes, partindo da premissa de que, se o vendedor não cuida da aparência, que todo mundo vê, por certo não dá atenção para o que ninguém vê.

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Tinha 18 anos quando comprei meu primeiro automóvel, e desde então conto um punhado. Foram muitos e não saberia dizer quantos nem quais. Todos usados. Exceto pelo Cobalt 2018, automático, zerado, que vendi para desapertar.

De todos, estou certo de que teria feito bom negócio se tivesse me “casado” com dois. Bonitos e apresentáveis, não me deram dores de cabeça. Só as normais, proporcionadas por qualquer conjunto mecânico submetido a desgaste diário. E também porque valeriam um dinheirão se estivessem comigo hoje.

O primeiro com o qual me apresentaria diante do escrivão foi um Ford Corcel, ano 1970, marrom com teto de vinil preto. Bom de lata e motor, vivia brilhando e também me ajudou a brilhar nos rolês de fim de semana.

Outro que teria levado para o altar sem o mínimo arrependimento: um Volkswagen 1.300, ano 1974, castanho, bancos beges. Dos velhinhos, o que mais gostei. Na época, com seis anos de idade e incríveis 5.000 km rodados, cheirava novo. Um achado, que comprei por preço de mercado de uma zelosa mulher, dona de uma casa de móveis então existente no final da avenida Nelson D’Ávila.

O fusca não se viu comigo diante do padre, mas me levou para passear horas depois que troquei alianças com d. Maria, em 1980.

Atualmente estou com o Gol 1.000 da foto acima que, em tempos de combustível caro, beber menos que o dono conta a favor. Pesa contra ele desobedecer-me sempre que piso fundo nas ultrapassagens. Irrelevante.

Como atende bem minhas necessidades, é silencioso, de manutenção barata e completo, penso em tê-lo na minha garagem até que o ferro velho nos separe.

Em casa, todos gostam do golzinho. Lucas, o filho para quem construí a laje, já o chama carinhosamente de azeitona, por causa da cor verde, que o documento diz que é cinza. Mero detalhe. Afinal, num mundo onde focinho de gato, rabo de gato, unha de gato, miado de gato não garantem que o bicho seja gato, quem vai se incomodar com a cor do meu pé de boi?

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

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