A morte do catarinense Jesse Koz e de seu cão, Shurastey, da raça golden retriever, foi assunto em toda a mídia na semana passada, até mesmo internacional. A história deles chamou a atenção não só pela forma triste como terminou –num acidente de trânsito–, mas como viveram intensamente os últimos cinco anos de suas vidas: viajando pelo mundo num Fusca 78, apelidado de Dodongo.
Essa história, com certeza, daria um ótimo filme porque Jesse conseguiu provar algumas coisas nesses últimos cinco anos. Por exemplo, que é verdade que o melhor amigo do homem é o seu cão; que não precisamos de muitas coisas materiais para sermos felizes e que é preciso enfrentar os próprios medos para fazer diferente.
Quem, assim como eu, acompanhou as aventuras desses dois pelas redes sociais, passando por 17 países, sabe o quanto Jesse e Shurastey eram conectados. Vídeos e fotos estão aí para comprovar essa ligação.
Se Jesse sorria, Shurastey sorria junto (por mais doido que isso possa parecer). Se Jesse cantava, Shurastey uivava acompanhando o refrão da música. Se Jesse se jogava no mar ou num rio, Shurastey o acompanhava, sem qualquer medo. Eram inseparáveis: Jesse, Shurastey e o Fusca Dodongo.
Eu sempre achei a vida deles deslumbrante, mas Jesse fazia questão de deixar claro –principalmente nas entrevistas que dava– que nem tudo era “um mar de rosas”, que viajar sozinho não era fácil e que só conseguiu seguir em frente porque se apoiou em Shurastey nos momentos mais difíceis.
“Shurastey or Shuraigow?”
Jesse tinha 24 anos de idade quando resolveu deixar o emprego numa loja de roupas, largar a faculdade de educação física, vender uns cacarecos que tinha em casa e sair pelo mundo no seu Fusca, com seu cachorro de apenas um ano de idade. Em nenhum momento passou pela sua cabeça entregar Shurastey para alguém cuidar enquanto estivesse fora ou doá-lo, já que ia sair sem destino e sem data para voltar.
Adaptou as janelas traseiras do Fusca para que pudessem ser abertas e ventilar melhor o espaço destinado a Shurastey, fez do banco de trás uma cama para ele e seu melhor amigo (bem depois usaram uma barraca instalada no teto do carro) e partiram para a primeira viagem: Ushuaia, cidade no extremo sul da Argentina, sugestão de colegas virtuais de um grupo de mochileiros.
A partir dessa viagem o projeto de Jesse começou a ganhar corpo e acabou sendo batizado de “Shurastey or Shuraigow?”, uma homenagem a seu golden e também uma referência à música “Should I Stay or Should I Go” (Devo Ficar ou Devo Ir?), hit da banda inglesa The Clash nos anos 80.
No começo dessa doideira toda, Jesse sobrevivia da venda de adesivos por R$ 5 e do apoio de gente que encontrava pelo caminho. Com o passar dos quilômetros, suas páginas nas redes sociais passaram a ser acompanhadas por milhares de pessoas e com elas vieram os patrocínios, vendas de camisetas, calendários, adesivos e produtos caninos que permitiram ao aventureiro manter-se na estrada, de forma muito simples.
Quase todos os dias Jesse fazia uma declaração de amor para Shurastey no Instagram, onde tinha mais de 400 mil seguidores. Em um desses dias ele escreveu parte da música “Fico Assim Sem Você”, de Claudinho e Buchecha, e terminou dizendo: eu não existo longe de você.
Jesse também tinha um carinho imenso por seu Fusca e um dia contou aos seus seguidores que era incrível como ele aguentou passar por tudo: “lugares inóspitos, deserto de sal, de areia, praias, dunas, gelo, neve e estradas que pediam tração 4×4… lá estava esse besourinho branco chamando a atenção de todo mundo!”.
Durante a pandemia, em 2020, Jesse foi obrigado a deixar o Fusca no México e voltou para o Brasil. Mas nem a pandemia foi capaz de parar esta dupla. Jesse comprou uma Kombi, batizada de Bluma, e já que a ordem era ficar em casa, saia com a sua própria casa desbravando outros caminhos em seu país.
Assim que a vacinas chegaram, com as estradas e fronteiras sendo liberadas, Jesse foi buscar seu Fusca no México para terminar o projeto inicial da viagem que tinha como destino final o Alasca.
Os dois cruzaram a fronteira para os Estados Unidos, foram à Disneyworld, tiraram selfie em frente ao Capitólio, em Washington, e depois ele estacionou o Fusca (com placa de Balneário Camboriú) em plena Nova York, com os luminosos da Times Square ao fundo. Essa foto percorreu o mundo.
Depois disso cruzaram a Rota 66 de ponta a ponta com o Fusquinha –sonho antigo de Jesse–, foram para Hollywood e, em São Francisco, atravessaram a Golden Gate. De lá, pretendiam ir para o Alasca e encerrar o projeto da viagem.
Jesse, Shurastey e Dodongo não conseguiram chegar ao destino final, mas terminaram juntos a viagem de suas vidas num acidente de trânsito no estado de Oregon, faltando apenas 3.700 quilômetros para chegar ao Alasca.
Não tem como não se emocionar com cada detalhe dessa história. Jesse, Shurastey e Dodongo ficarão para sempre nas nossas memórias e confesso que gostaria, sim, de ver um filme contando como tudo aconteceu.
Não faz mal que a gente já saiba o final do filme, porque o grande barato mesmo é ver tudo o que aconteceu nos mais de 85 mil km rodados por eles mundo afora. O imenso amor de um homem por seu cão e sua fidelidade a um carro velho. Esta é, sem dúvida, a beleza e a delicadeza dessa história.
Adote
> Edna Petri é jornalista (MTb nº 13.654) há 39 anos e pós-graduada em Comunicação e Marketing. Mora na Vila Ema há 20 anos, ama os animais e adora falar sobre eles.