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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Acho que sou meio bipolar. Do mesmo modo que me divirto igual criança com certos assuntos, sou rabugento e descontente com outros. Em minha defesa, posso argumentar que, neste mundo maluco em que vivemos, coexistem, ao mesmo tempo, o bem e o mal, o engraçado e o irritante, o certo e o errado.

De vez em quando dou um resmungo aqui com a nossa Justiça. Isto mesmo, com a Justiça brasileira. Quase sempre procuro minimizar as críticas dizendo a mim mesmo: “Você é leigo, não entende nada disso, a Justiça é um mundo à parte…”.

Mas chegou a hora deste leigo juntar alguns retalhos e fazer uma colcha que irá representar o que ele acha do mundo das leis e dos legisladores que nos dirigem. Já aviso, repetindo, que esta é uma opinião de leigo, assim como talvez uns 98% da nossa população adulta. Mas, como cidadão que é alvo dessa Justiça, tenho todo o direito de opinar. E você também tem. Aliás, o espaço para opiniões quando este texto for compartilhado em páginas e perfis do Facebook, fica aberto tanto para leigos quanto para os chamados operadores do direito.

A gota d’água que me levou a escrever sobre a nossa Justiça caiu nestes dias quando “passeava” pelo portal de notícias UOL. O caso aconteceu na cidade de Tijucas, em Santa Catarina, onde uma criança de 10 anos de idade foi estuprada e engravidou do seu agressor. Depois de ter a retirada do feto negada no hospital da Universidade Federal do estado, com base em legislação que trataria do tempo de gestação, a criança foi parar nas mãos de uma juíza de primeira instância.

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E o que fez a meritíssima? Simples: decidiu afastar a criança, agora com 11 anos, de sua casa e da proteção de sua mãe, colocando-a em um abrigo com o [falso] argumento de protegê-la de novas violências sexuais. Além disso, deu como segundo motivo a intenção de manter a criança longe de sua “rede de amor” [aspas para o texto do UOL] para evitar que o aborto fosse feito.

A decisão judicial é vista como um exemplo clássico de mais um caso de violência institucional. E aí vem à minha cabeça a também clássica frase, usada por inocentes e culpados, de que “decisão judicial não se discute, cumpre-se”. Desculpe a dona Justiça, mas a frase não se aplica a barbaridades, autoritarismos e violências como esta cometida contra a criança catarinense e sua família. É até difícil dizer quem cometeu a maior violência contra ela, se o estuprador ou a senhora juíza.

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Que Justiça é esta?

Depois de um caso tão claro de decisão que vai contra o cidadão, saída da cabecinha de uma só autoridade, vou me permitir mostrar abaixo um pouco mais da minha incompreensão sobre como funciona –e como deveria funcionar– a Justiça brasileira. Lembrando que o Judiciário é um dos três poderes da República, mas enquanto podemos esculachar, discordar e até protestar publicamente contra o Executivo e o Legislativo, contra os juízes, suas leis e suas decisões, tudo deve estar meio oculto da opinião pública, escondido lá no meio dos chamados “autos do processo”.

O que você pensa sobre essas questões?

– Como um juiz decide? – Pelo que eu saiba, uma decisão na Justiça deve seguir a Constituição Federal, os códigos (civil, penal etc.) e as leis federais, estaduais e municipais. Mas aí a cabeça deste leigo fica embaralhada quando um juiz de primeira instância decide sobre um processo e este é modificado, ainda na primeira instância, por uma liminar concedida por um desembargador; depois, o processo pode ser levado à segunda instância e a decisão ser novamente modificada, até que poderá parar na terceira e máxima instância e ser novamente alterada. Mudaram as leis? Não. Mudaram as circunstâncias do processo? Quase sempre, não. Então o que se conclui é que cada decisão foi tomada com base em mera interpretação das mesmas leis. Ou seja, segundo o leigo aqui entendeu, vale o velho ditado: “cada cabeça, uma sentença”.

– Quem escolhe um juiz? – Na base da carreira, os juízes são nomeados após prestarem concurso, em um processo transparente e baseado na meritocracia. Mas o prosseguimento nessa carreira começa a ser ditado pelo imponderável, até que se chega aos critérios de escolha de um ministro do STF, o nosso Supremo Tribunal Federal, tão combatido nos dias atuais. O problema é que se exige que um candidato a ministro do STF faça uma “campanha eleitoral” para ser indicado pelo presidente da República e sabatinado e aprovado pelo Senado Federal. Esperando-se que esse ministro não deva favores a ninguém. E ainda tem gente que se espanta ao ver decisões de ministros menos seguros e experientes serem favoráveis aos que os “elegeram”. Queriam que fosse diferente? Então, é urgente mudar o caminho que um juiz segue para chegar da primeira instância até o STF.

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– A quem a Justiça presta contas? – A ela mesmo. Enquanto nos poderes Executivo e Legislativo os políticos são –ou deveriam ser– “julgados” pelo eleitor, os juízes têm seus atos analisados por colegas da magistratura. Ou seja, a sociedade fica de fora e um mau juiz pode permanecer durante toda a carreira protegido por um sistema corporativista e ainda, depois, gozar de uma polpuda aposentadoria. O que deveria premiar os bons, muitas vezes acoberta os maus.

– Justiça lenta não é justa – A frase é autoexplicativa. Basta citar um exemplo: até hoje se discute a indenização às famílias das vítimas do voo da Chapecoense, ocorrido em 2016, o que é considerado “ontem” no intrincado sistema judiciário. Quando sair a decisão final, as vidas de todos os envolvidos já foram arruinadas.

– Leis fracas e privilégios inaceitáveis – Aí é preciso concordar que a maioria das leis é produzida pelos poderes Executivo e Legislativo e, depois, entregue para aplicação pelo poder Judiciário. Sou de opinião –e creio que a maioria da população brasileira também pense assim– que a nossa legislação ficou fraca e ineficiente para conduzir a sociedade atual. Penso que o Brasil deveria criar urgentemente uma Assembleia Nacional Constituinte, exclusiva, para que tenhamos uma nova Constituição Federal. E mudar, a partir dela, principalmente o Código Penal, que me parece ser atribuição do próprio Judiciário.

Acho melhor parar por aqui. Poderia “resmungar” mais uns 20 parágrafos, mas seriam quase variações sobre o mesmo tema. O que eu gostaria que ficasse claro neste artigo é a necessidade urgente de uma aproximação entre a Judiciário e a sociedade brasileira. Ele não pode ser um poder encastelado e autoprotegido enquanto o Executivo e o Judiciário tomam pau diária e, quase sempre, merecidamente.

É evidente que esta não é uma crítica generalizada a uma maioria de juízes, servidores públicos e outros operadores do direito que trabalham muito, com competência e amor pela carreira, pelo país e pela sociedade. É uma crítica ao que, no meu modo de ver, não está certo e deve ser corrigido.

Que o Judiciário desça das alturas e venha para o mesmo plano dos outros poderes e do povo. Até para que absurdos como o da criança catarinense vítima de estupro e, depois, de violência cometida por uma decisão judicial, não aconteçam mais. Ou que sejam devidamente punidos. Mas aí talvez já seja pedir muito.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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