“Não confie em ninguém com mais de 30 anos.” Passei a adolescência ouvindo, de vez em quando, esta frase, popularizada em uma canção do compositor Marcos Valle. Na verdade, o autor original desse convite à rebeldia foi o ativista político norte-americano Jack Weinberg.
E o que esta frase queria dizer? Na minha modesta opinião, era mais ou menos o seguinte:
– Nós queremos o poder!
– Nós vamos mudar o mundo!
– Nós temos novas ideias e vamos lutar por elas!
– Nós temos pressa de assumir o protagonismo e implantar os nossos projetos!
Soava pretensioso? Talvez. Mas não há como negar que as últimas gerações, especialmente após o término da Segunda Guerra Mundial, assumiram o seu papel. Nas artes, na política, na cultura, no pensamento filosófico, na ciência, na engenharia, nos costumes, aquelas gerações tinham pressa.
Lembro-me claramente que, pouco depois de fazer 15 anos de idade, os adolescentes começavam a sentir vontade de fazer coisas. Os mais pobres queriam trabalhar logo e ter um dinheirinho para ajudar a família e para eles próprios; os mais inteligentes queriam o máximo das carreiras acadêmicas e pegavam pesado nos estudos; os mais criativos pensavam em mudar o mundo com a arma de uma guitarra e soltando a voz.
Foram gerações vencedoras. Realmente mudaram o mundo. Deixaram muito por ser feito, mas abriram o caminho.
E hoje, o que vemos?
Não estou aqui para generalizar, longe disso, mas o que vemos é uma juventude confusa, pouco corajosa, dependente financeiramente dos pais –quando não dos avós– e, pior de tudo, sem projeto de vida, sem projeto da sociedade que têm para construir.
Por que todo esse chororô?
Por algumas evidências que nos chegam a cada dia em maior número e com maior grau de certeza de que estamos na direção errada. Ainda estão “quentes” nos nossos miolos dois episódios que nos chocam pelo grau de imbecilidade que carregam. Veja se eu não tenho razão.
1 – De vítima de bullying a quase assassino
Esta geração de adolescentes e de jovens adultos não suporta quase nada de pressão e já entrega os pontos, chuta o pau da barraca, reage com violência e covardia. É o caso dos “moleques” na faixa de 17 anos que trocavam planos maléficos de “comemorar” os quatro anos do ataque de um outro adolescente a uma escola em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, quando o “mala” alegou ser vítima de bullying.
Com a mesma queixa, os “meninos” de agora tramavam na segurança das redes sociais os crimes que iriam cometer. Um dos malucos é de São José dos Campos e, se suas postagens em uma rede social não fossem captadas por uma agência de segurança dos Estados Unidos –que avisou a polícia brasileira– pensava em chegar atirando no povo de uma escola do Altos da Vila Paiva, na região norte.
A tentação de comparar é inevitável. Quando tinha 17 anos, eu já trabalhava há dois anos, estudava à noite, jogava voleibol em um time e tinha uma vida quase normal, apesar dos inúmeros problemas de viver em uma família desestruturada. E a maioria absoluta das pessoas da minha idade seguia o mesmo caminho: cuidava da vida.
2 – Fazendo bullying com quem deveriam aplaudir
Menos letal, mas tão violento quanto o caso do pistoleiro joseense, foi o bullying praticado por três mocinhas de aparência inofensiva –até um pouco bobinhas pelas suas carinhas no vídeo– contra uma mulher de 44 anos que, pasmem, cometeu a gravíssima ofensa de querer estudar no mesmo curso que elas em uma universidade de Bauru (SP).
O que deveria ser um exemplo para essa geração meio fora da órbita passou a ser uma situação inaceitável. Uma das “meninas” ainda disse que a mulher não tinha o direito de estudar com essa idade. E onde as três resolveram transformar o seu preconceito em piadinha inocente? Nas redes sociais, é claro.
Esta geração tem jeito?
A primeira constatação que se pode fazer deste e de milhares de outros episódios desse tipo que acontecem mundo afora é que não será possível mudar a cabeça –daqueles que ainda a têm em cima do pescoço– da noite para o dia. Nem sei mesmo se isso será possível algum dia.
Acho difícil essa gente de quase 30 anos, que mora na casa do pais, resolver se mudar de repente; difícil começarem a pensar em participar das decisões políticas que podem mudar o presente e o futuro do país; difícil tentarem construir uma carreira sólida –acadêmica e intelectualmente– em vez da bobajada quase sempre sem sentido das pós-graduações, especializações, doutorados que em muitos casos servem para estufar o currículo de gente que ainda não conseguiu atingir sequer o equilíbrio emocional.
Talvez o que devamos fazer é esperar que a novíssima geração que está vindo por aí assuma o lugar desta que patina, patina e não sai do lugar. É inegável que as crianças que estão saindo das maternidades parecem ter qualidades transcendentais, sinais quase assustadores que deixam transparecer valores como inteligência, bondade, lucidez, delicadeza, curiosidade, iniciativa.
Espero que não estraguemos essas crianças como, infelizmente, parece termos contribuído para estragar a “geração perdida”, com excesso de proteção, mimos, presentes e ajuda para que eles fugissem da realidade. Chegamos ao ponto de um brasileiro de 25 anos ter sido preso dias atrás, em Lisboa, com carne humana dentro da mala depois de ser suspeito de ter cometido um assassinato na Holanda. A mãe do “monstro” disse que não acredita em nada disso porque o filho sempre foi bom e, portanto, incapaz de cometer um crime desses. [leia nota no final deste texto]
Regulamentação das redes sociais já!
Já que o mal que está feito parece não ter remédio, precisamos urgentemente fechar as comportas desse mar de imbecilidade que transforma os maus em uma grande e poderosa rede e ainda contamina os bons que poderiam nem tomar conhecimentos desses absurdos.
Qual é a saída? São várias, mas a mais urgente delas é, sem dúvida, a regulamentação do funcionamento das redes sociais. É preciso que o mau tenha dificuldade de fazer contato com outros maus, que suas ideias criminosas e doentias cheguem ao menor número possível de pessoas. Que não sejam facilitados a eles os planos e as armas para cometer seus crimes.
É impressionante o que se pode fazer de coisas erradas com um simples aparelho celular nas mãos. Desde o contato com parceiros de crimes, com financiadores desses crimes, com contrabandistas de armas, até os manuais de instrução de como cometer os mais diversos crimes. Deixemos que somente os criminosos “diplomados” tenham essas facilidades, já que contra eles as redes sociais não podem fazer nada.
Outro benefício da regulamentação é o fechamento da janela que os idiotas têm permanentemente aberta para o mundo, da qual disparam suas bobagens, brincadeiras ofensivas, bulliyngs, ofensas racistas, preconceitos de gênero e outras “gracinhas” que, quando pegos –como no caso do Wallace, aquele ídolo (?) do vôlei brasileiro–, dizem que não foi por querer e que nunca mais vai acontecer. Sei…
Regulamentar é censurar? Sinceramente, acho que tudo depende do tamanho da intervenção. Mas tenho certeza de que é possível retirar o excesso e manter um grau de liberdade muito expressivo. Uma “liberdade com responsabilidade”, como diriam os ainda mais velhos que eu. Porque responsabilidade tem a ver com responsabilização, ou seja, passou no sinal vermelho, tem multa; passou de novo, multa maior; insistiu no erro, perde a carteira.
Enquanto a sociedade civil organizada, os governos e as próprias gigantes da comunicação digital não tomam uma atitude contra os idiotas das redes, só nos resta policiar cada vez mais –e mais rapidamente– o que os criminosos cibernéticos fazem com seus teclados. E esperar que esta geração perdida não atrapalhe tanto o surgimento da nova geração que está surgindo e que poderá nos salvar de um futuro ainda mais caótico do que tem sido o nosso presente.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.
Nota – Após a publicação desta crônica, a polícia da Holanda desfez a suspeita inicial de que a carne no apartamento da vítima fosse humana, identificando-a como de origem animal. O brasileiro continua em prisão preventiva em Portugal enquanto aguarda sua extradição para a Holanda. Leia o texto: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/03/carne-encontrada-com-brasileiro-assassinado-na-holanda-nao-e-humana-diz-policia.shtml