"Luca" fala de amizade, passando pela exclusão social, "bullying", solidariedade e liberdade. Foto / Divulgação

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Sinopse e gênero nem sempre são fieis a um filme. “Luca”, por exemplo, em cartaz no streaming Disney+, é descrito como “incrível aventura com um jovem monstro marinho curtindo o verão na Riviera Italiana”. Entretanto, o desenho animado dirigido por Enrico Casarosa (que já nos agraciou com o maravilhoso “Viva – A vida é uma festa”) é muito mais do que sua sinopse. O tema central é a amizade, passando pela exclusão social, bullying, solidariedade e liberdade, com personagens interessantíssimos e cenários que quase confundem, de tão reais.

A sutileza de um dos temas que circundam este desenho animado é construída por alguns dos personagens que se autodenominam “os excluídos”: crianças que são diferentes, usam roupas esquisitas ou suam mais do que as outras (fala de Giulia, a menina ruiva e serelepe que mora com a mãe em Gênova e passa as férias de verão na casa do pai, pescador que nasceu sem o braço direito).

Aqui somos apresentados a dois grupos distintos: os seres do fundo do mar que não sobem à tona por temer as barbáries dos “monstros humanos” e os moradores do vilarejo que impõem medo aos demais pelos perigos lendários que representam os “monstros marinhos”. Se a arte imita a vida, essa cena poderia se passar na nossa cidade ou num parque público, onde crianças de aparência diferente são vistas (mais pelos adultos do que pelas outras crianças) como uma ameaça, mantidas numa distância segura daquelas tidas como “normais”.

“Luca” nos leva a um tempo que sugere a década de 60, em que a Vespa está em alta na Itália. Sem celular, redes sociais nem videogames, as crianças brincam alegres na rua e ao redor da praça da Vila Portorosso, sem bicicletas de grife (mas já com bullying), onde as mulheres penduram suas roupas nos varais à janela, cuidam da casa e dos filhos enquanto os maridos vão trabalhar no mar.

Alguns cenários nos lembram “Procurando Nemo”, com a beleza da vida marinha, outros nos apresentam um céu lindamente estrelado, sobre a tranquilidade do mar Lígure, onde dois velhos amigos pescam habitualmente ao som de um disco de ópera que toca no gramofone (avós e bisavós das gerações “x, y, z” terão enorme prazer em apresentar o objeto a quem nunca o viu nem ouviu falar).

Extrapolando os limites impostos pela mãe superprotetora, Luca vai até a superfície e se torna amigo de Alberto (de aparência como a sua), que o encoraja a desbravar a vida fora da água. Juntos, os dois vão a Portorosso e lá conhecem Giulia, que tem consciência de fazer parte do grupo dos excluídos, o que não a torna inferior a ninguém.

O trio vive várias aventuras, participa de um triatlo tradicional na Vila (nadar, comer pasta e pedalar) e Giulia apresenta o mundo dos livros e da astronomia a Luca, que se encanta e desperta o desejo de ir à escola, diferentemente de Alberto, que a vê como um lugar proibido para seres como eles.

Este é um desenho animado para assistir junto com as crianças e aproveitar a oportunidade para lhes falar sobre valores tão importantes e por vezes adormecidos. Com a mãe protetora, a avó “descolada”, o pai zeloso com cara de bravo, o amigo fiel, além de muitas pitadas da cultura italiana, a diversão vai agradar a toda a família!

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ESPECIALISTA EM CRISE

(Our brand is crisis)

Jane Bodine (Sandra Bullock: “Um sonho possível”, “Miss Simpatia”, “28 dias”) é a protagonista desta comédia de 2016 sobre a campanha presidencial num país da América Latina. Estrategista política bem-sucedida, ela é trazida com urgência dos Estados Unidos para fortalecer um dos candidatos, que as pesquisas mostram como franco perdedor. Além de ser um grande desafio profissional, Jane é impulsionada pela chance de derrotar um rival que trabalha para a oposição. Há cenas hilárias –que expõem a veia cômica de Bullock na dose certa– e nos refrescam a memória (em ano pré-eleitoral no Brasil) sobre aparências construídas, cenários montados, tudo para conquistar o eleitor, mas mostram também o aspecto sério, do sofrimento do povo e da realidade local. Um ótimo filme, disponível no Now.

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> Séries

BORGEN

Lançada em 2010, essa excelente série da Netflix foi aclamada pela crítica. Um revés político leva uma mulher a assumir pela primeira vez o governo da Dinamarca, depois que o primeiro-ministro é envolvido num escândalo às vésperas das eleições. Birgitte Nyborg (Sidse Babett Knudsen) nos mostra uma realidade totalmente diferente da nossa, com a maior autoridade do país nórdico realizando as tarefas domésticas junto com o marido, utilizando bicicleta habitualmente, cuidando dos dois filhos, ao mesmo tempo em que lida com diferentes interesses políticos, crises nacionais, internacionais e familiares. Dentre muitos aspectos abordados em três temporadas de “Borgen”, destaque-se o importante papel da imprensa, com ótimas interpretações de Birgitte Hjort Sørensen, Pilou Asbæk, Soren Malling, dentre outros, no papel de jornalistas, assessores e editores.

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O MÉTODO KOMINSKY

Com atores como Michael Douglas, aos 76 anos de idade, e Norman Newlander, aos 87, ledo engano pensar que esta série de três temporadas é apenas sobre a velhice. O seu criador, Chuck Lorre (premiado por “The Big Bang theory”, “Two and a half men”, entre outras séries famosas) traz o tema da sexualidade após os 70 anos envolto em sentimentos; quando os personagens falam ou vivenciam algumas doenças, o fazem com uma abordagem franca e direta, sem pieguice nem autocompaixão. Ainda que haja cenas muito engraçadas, “O Método Kominsky” não é uma comédia pura e simples, de piadas prontas e situações previsíveis: exige atenção para as sutilezas de gestos e falas, além de abertura mental. Os episódios vão mostrando a diferenciada amizade entre Sandy (um ator de curto sucesso, que tem uma escola de teatro para iniciantes, onde leciona) e Norman (um empresário bem-sucedido, dono de uma grande agência de atores), com diálogos inteligentes e ricos em ironia, expondo as feridas da verdade ao falar de vida, envelhecimento e morte com bastante naturalidade. Disponível na Netflix, vale muito a pena ver… e rever!

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> Tila Pinski é jornalista (MTb 13.418/SP), atua como redatora e revisora de textos, coordenadora editorial e roteirista. Cinéfila, reside há nove anos na Vila Ema.