Meu parceiro de covid e labirintite. Foto / Arquivo pessoal

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Peguei covid. Trancada no quarto, sintomas leves, vacinada três vezes (que eu não sou boba), surge um problema chamado Johnny –sim, o nome dele é Johnny–, meu cachorrinho de 15 anos de idade repleto de manhas e manias.

Assim que fechei a porta do quarto do confinamento, Johnny simplesmente se recusou a ficar de fora. O cachorrinho de dois quilos e duzentos gramas socava as patinhas na porta do quarto, querendo derrubá-la na força do ódio.

Não demorou muito para que ele vencesse a parada, é claro. Eles sempre vencem. Entrou no quarto com ares de indignação, porque, afinal de contas, foram muitas “patadinhas” na porta antes que ela se abrisse. Olhou tudo, analisou cada detalhe do quarto para saber o porquê daquela demora em abrir a porta e subiu na cama com cara amarrada, fazendo bico.

A partir desse momento, Johnny só saiu pra fazer suas necessidades, até mesmo as refeições eram feitas ali, ao meu lado. E cada vez que ele saía ou voltava para o quarto, era um banho de álcool nos pelos. Mas ele nem aí. Espirrava feito doido, mas voltava correndo feliz, e se pudesse falar, certeza que perguntaria: e aí, sentiu minha falta?

Confesso que por várias vezes, tirando aquele cochilo, acordei com a carinha dele bem próxima do meu rosto, me observando, preocupado, provavelmente pensando: será que morreu, meu Deus do céu? Quem vai me dar os petiscos, fazer cafuné, me levar pra passear, me chamar de lindo da mãe? Assim que eu começava a fazer carinho nele, o rabinho balançava desenfreado e, nesse instante, acho que ele pensava: graças a Deus tá viva, a danada!

Tá viva, mulher? Foto / Arquivo pessoal

E o contrário também acontecia. De vez em quando eu olhava para aquele serzinho deitado ao meu lado e ficava pensando em como os animais são amorosos, que capacidade de doação, de entrega, a ponto de se anularem para viver em função do dono. E pensava comigo: que amor mais lindo é esse, que delícia poder experimentar isso.

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Deu no jornal

Esses dias, o Jornal Nacional encerrou a sua edição com a matéria de um morador de rua, cego, que foi parar em um hospital em São Paulo, depois de ser atropelado. Seu animal de estimação ficou do lado de fora e chorou tanto que acabou chamando atenção das pessoas e dos próprios funcionários do hospital. Um deles levou comida e água para o bichinho, mas ele continuou apático.

Depois de descobrirem que se tratava de uma cachorra e que o nome dela era Lucimara, uma outra funcionária teve a ideia de pegar uma roupa do morador e colocar perto, no intuito de acalmá-la. Lucimara imediatamente se deitou sobre a roupa e lá ficou. Dois dias se passaram e nada da cachorra comer ou beber água, foi então que a direção do hospital decidiu deixar Lucimara entrar pra ver o seu dono.

Lucimara na recepção do hospital à espera de seu dono. Foto / /Redes sociais/Reprodução

A cachorra nem precisou ser guiada pelos corredores do hospital. Foi ela quem guiou o funcionário até o seu dono, e o encontro dos dois, óbvio, foi de encher os olhos de lágrimas.

No dia seguinte o rapaz teve alta e sumiu nas ruas novamente, afinal são mais de 30 mil pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo. A reportagem não conseguiu localizá-lo, mas ficamos com a certeza de que ele não está sozinho. Lucimara está lá, ao lado dele, para o que der e vier.

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Amor maior

Tamanho é o amor que esses animais têm por nós, que tem um meme nas redes sociais que diz assim: “nós não merecemos os cachorros”. E com certeza é a mais pura verdade, porque nós –humanos– colocamos uma série de empecilhos para amar verdadeiramente alguém. E eles simplesmente vão lá e amam.

Sei dizer que um dia depois de deixar o confinamento do covid, fiquei mais sete dias de molho por conta de uma labirintite brava que fazia não só o meu quarto rodar, mas o mundo todinho. E adivinha quem ficou do meu lado mais esse período? Sim, ele mesmo, o Johnny.

E a verdade é que eu e Johnny passamos por tudo isso e ficamos ainda mais unidos, com mais amor um pelo outro –se é que isso é possível–, mais fortes e, o que não é lá muito legal… mais gordos.

Tanto eu quanto ele enfiamos o “pé na jaca” durante o confinamento e agora tenho que pegar firme na minha dieta. Já o Johnny disse que está adorando seu novo shape e que pretende ficar assim mesmo. Ah, e enquanto eu escrevo esse texto advinha quem está aqui do meu ladinho?

Adote

> Edna Petri é jornalista (MTb nº 13.654) há 39 anos e pós-graduada em Comunicação e Marketing. Mora na Vila Ema há 20 anos, ama os animais e adora falar sobre eles.

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