O que me abriga das intempéries do tempo não está nos extremos. Nem palacete, nem casebre. Mas não posso me queixar. Num país desigual, onde milhões são empurrados para o desabrigo e a submoradia, ter uma casa espaçosa e confortável é uma dádiva.
Gosto da minha casa, como também me identifico com a rua e o bairro em que moro há mais de vinte anos. Por isso, não queimo a pestana pensando em sair de onde enraizei.
Por absoluta implicância, certa vez acendi um facho assim e argumentei com minha mulher sobre voltar para as origens. Ela abominou, claro! Elencou um a um os motivos de sua braveza e saí com dois quentes e um fervendo. Minhas alegações tinham naufragado.
Moro num quarteirão entre duas avenidas largas. Quem entra de carro na rua só pode sair por onde entrou, o que, de certa forma, dá aos residentes uma sensação de segurança.
Em todos esses anos, no meu trecho, nunca soube de ação alheia contra o patrimônio de alguém. Nem por isso durmo de touca. Eu e os vizinhos estamos atentos e unidos numa Vigilância Solidária, com orientações da PM e intercâmbio por WhatsApp. Funciona redondinho.
Na minha rua predomina o sossego. A ponto de, nas noites calorentas, os vizinhos arrastarem cadeiras e bancos para o passeio, onde ficam horas conversando animadamente. Aliás, não tenho vizinhos; mas amigos. A maioria com tempo de moradia igual ou maior que o meu e de onde mudança é coisa rara.
Quando cheguei de mala e cuia, encontrei ali uma renca de crianças com idade de 10, 12, 15 anos. Turminha boa, que à noite brincava, jogava vôlei ou futebol na rua, sob os focos de luz.
Eu chamava todas elas de mala. E não é que o apelido virou um respeitoso bumerangue? Hoje, são homens e mulheres que experimentam o peso das responsabilidades. Alguns ainda me chamam pela alcunha.
Certa vez encontrei um daqueles moleques –hoje homenzarrão– no centro da cidade, nas proximidades de onde, na ocasião, funcionava a sede da Associação Esportiva São José. O pirralho estava sozinho entre os passantes, e chorava.
Tinha se desgarrado da mãe, que achamos, em seguida, na rodoviária. Depois de ouvir um “obrigado, seu mala!”, dei-lhe um inofensivo croque com o nó do dedo, e ele pirulitou para a segurança da mãe, minha vizinha até hoje.
Nem a casa, nem a rua. Naqueles tempos, de internet incipiente e sites de notícias quase inexistentes, me cativaram duas bancas de jornal, praticamente no meu quintal. Localizadas a poucos metros de casa, era onde eu parava de manhãzinha a caminho da padaria. Ora numa, ora noutra. Ia comprar pão e me empanturrava de informação.
Jornalões ainda com vida plena, eu comprava um dos principais diários paulistas e devorava os outros ali mesmo, inclusive o da região. Amigo de todos, o jornaleiro não estava nem aí. Eu lia as manchetes e principais notícias. Um tanto de gente fazia o mesmo, e rapidamente discutíamos o Brasil e o mundo, às vezes de forma acalorada, mas civilizada.
Com a pandemia, uma das bancas fechou. Na outra, até hoje um grupo se reúne para saber o dia a dia dos principais clubes brasileiros, passando de mão em mão uma publicação especializada.
Minha rua só precisa mesmo de mais árvores. Na parte de baixo, onde moro, conto-as nos dedos de uma única mão. É pouco! Para piorar, no domingo passado um tufão pôs abaixo um jovem exemplar, de flores amarelas e pequeninas, que adornava o balão, e cuja espécie não consegui identificar.
Tal carência, no entanto, não retrata o restante do bairro, soberbamente arborizado. Sem contar que, quase aos meus pés, desfruto da linda e agradável selvinha do Senhorinha.
Com essa dica e a esperteza com que Deus lhe provê, você por certo descobriu onde fica meu pedaço de chão, cantinho em que recepciono os amigos para uma boa prosa, café fresquinho, bolo de fubá com erva-doce, pão de queijo e outras gostosuras. Lugar onde sou feliz!
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.