Foto / Nasa/Divulgação

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Minha neta de 7 anos de idade, a quem vou chamar aqui de Margarida, é uma legítima representante desta nova geração de seres humanos que estão povoando o planeta. Cheia de vontade de aprender, cheia de perguntas intrigantes, parece que, para ela e seus coleguinhas da mesma faixa de idade, tudo é possível. Tudo mesmo.

Os estudiosos gostam de dar nomes para as novas gerações, diferentemente da minha época, quando as crianças nasciam como bebês, adquiriam aos poucos a identidade de crianças, assim iam até serem considerados “juventude” e precocemente, às vezes a partir dos 16, 17, eram chamados de adultos.

A turma da Margarida, que nasceu em 2017, é chamada de Geração Alpha, ou também Gen A. Ela reúne quem veio ao mundo de 2010 até 2025 e sucede a geração Z, que englobou os nascidos entre 1997 e 2009.

Segundo o Google, uma novidade espantosa criada há 26 anos, portanto um bicho estranho para quem nasceu antes de 1998, “a Geração Alpha é caracterizada por ser nativa digital, ou seja, cresceu em um ambiente digital e tem acesso a dispositivos eletrônicos desde pequena. Algumas das suas características são: inteligência socioemocional, criatividade, facilidade de aprendizado, empatia, hábitos de consumo sustentáveis”.

Deixa eu completar: é uma geração meio descolada da realidade, para a qual tudo é possível. Vou explicar alguns motivos deste meu adendo.

A Margaridinha faz visitas diárias ao meu posto de trabalho. Vem toda dengosa, amorosa e cautelosa em relação ao meu estado de humor. Depois de três ou quatro frases para me desarmar, encaixa o pedido de sempre, dito em um tom bem mais baixo e falsamente encabulado:

– Vô, posso ficar com o seu celular?

Segundos depois, lá está ela mergulhada em um dos cinco ou seis joguinhos que ela mesma instalou e que, quando enjoa de um, o desinstala e troca por outro. Nem é preciso dizer que eu tenho enorme dificuldade para fazer esse tipo de operação e que nunca entrei em um joguinho.

Os jogos colocam a Marga –vamos chamá-la assim para economizar letras– em um universo paralelo onde tudo é possível, onde a criança domina ferramentas diversas para atingir os seus objetivos. Do desempenho dela depende ir subindo de nível ou, pior, “morrer”. Ela sabe que quando diz esta palavra eu faço cara de quem não gostou e tenho até medo de explicar o porquê. Mas ela entende e diz em seguida:

– Morrer no jogo, vô…

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E assim segue a nossa rotina, com a Marga nos surpreendendo mesmo sem querer nos surpreender. Entre outras coisas, esta representante da Geração Alpha é diferentona nas seguintes: desde os 3 ou 4 anos, decidiu que não gosta de carne vermelha e come, no máximo, frango e peixe; não inferniza a nossa vida pedindo refrigerantes, os quais nunca tomou, ficando nos sucos e na água; até recentemente, chamava cerveja de “suco do vovô”; quando alguém dá uma “bufada” no trânsito, se apressa em dizer que não adianta nada ficar nervoso e comanda um “respira fundo, vovô, respira fundo”; aos 7 anos de idade, tem uma aula diária de inglês na escola e, pasme, sua pronúncia é a melhor da casa.

A lista seria interminável, tanto para o avô da Marga como para quaisquer avós de crianças da Alpha, tenho certeza. É uma geração que, claramente, está chegando com um “sistema operacional” totalmente revisado e evoluído em relação ao nosso, o dos adultos e idosos de hoje.

Esta conclusão me deixa esperançoso em relação ao futuro do planeta –se nós, antigos, não o destruirmos antes que eles assumam o controle. São crianças mais sensíveis, mais integradas à natureza, mais amorosas com os mais velhos, amantes dos animais e das plantas. É uma gente diferente, não tenho dúvida disso.

O que é difícil compreender é que todas essas qualidades dos Alpha são construídas a partir da convivência delas com um mundo dominado pelos computadores, celulares e máquinas de todos os tipos. Talvez nós, adultos, envergonhados das nossas fraquezas para fazer o que é certo, também estejamos alimentando os HDs dessas crianças com tudo aquilo que gostaríamos de ser e não fomos.

APOIO / SUPERBAIRRO

Dia desses, logo na chegada da Marguinha para mais um de seus ataques ao meu celular, na fase da conversa para boi dormir, não sei por que surgiu o assunto do homem na Lua. Aproveitei e, como sempre, fui contando uma história para ela tentando não parecer didático demais.

Em seguida, entrei no Google e comecei a mostrar fotos e vídeos da nave Apolo 11 e do Modulo Lunar, com os quais os astronautas norte-americanos Armstrong, Aldrin e Collins saíram de Cabo Canaveral e viajaram até o nosso satélite natural. Os dois primeiros pisaram na Lua. Neil Armstrong, o primeirão de todos, ainda cunhou uma frase que ficou para a História, dita logo após a primeira pisada no solo poeirento: “Este é um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a Humanidade”.

Ilustrei a historinha contando à minha neta que assisti a tudo pela televisão naquele dia 20 de julho de 1969, quando tinha 11 anos de idade. Me lembrei de dizer que a missão Artemis, dos Estados Unidos, planeja levar mais astronautas para um passeio a pé pela Lua e isto está programado para 2025.

– Você vai poder ver o segundo pouso na Lua, com 8 anos de idade, já pensou? – falei para Margaridinha.

Ela, bem animada, com seu jeito prático, foi além:

– Eu quero, vovô!

– Quer o quê? – perguntei, meio distraído.

– Ir na Lua! – responde a menininha, acreditando seriamente que isto é mais ou menos como pegar o Pássaro Marrom –eu corrijo, com m em vez de n– e viajar até Caçapava.

Quando disse que isso era coisa só para astronautas, ela me olhou como se estivesse ofendida por eu não acreditar que ela tem o direito de pisar na Lua também. Daquele dia em diante, às vezes olho para a Margarida, legítima representante da Geração Alpha, e pergunto a mim mesmo:

– Será que ela sabe de alguma coisa que eu não sei?!

 

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.