Foto / Freepik

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Há quase três décadas, quando saí do Jardim Paulista para morar no Bosque dos Eucaliptos, na Zona Sul de São José dos Campos, encontrei no novo endereço uma vizinha agitada e tagarela: a feira-livre.

Como gosto de um agito e de uma boa prosa, adaptei-me facilmente à zoeira da vizinha e, desde então, para mim, toda sexta-feira é dia de ir à feira, onde gasto meu parco dinheiro comprando frutas, verduras e legumes; e saliva, batendo papo com os amigos e conhecidos. Realizada numa transversal à rua em que moro, a feira dista uns cem metros de minha casa, ou seja, quase no meu quintal.

É madrugadinha, o sol nem acariciou o dia e começa o alarido dos feirantes, que chegam quase na mesma hora em veículos velhos e fumacentos para montar suas barracas com incrível destreza.

A peleja é contra o relógio, pois aos primeiros raios de sol a clientela começa a chegar ávida por produtos frescos ou o que mais precise. Pode ser uma luva de lã para aquecer as mãos neste inverno, uma raiz milagrosa para curar a dor nas juntas ou um novo cabo para a panela velha –que também faz comida boa, como diz o sertanejo Sérgio Reis.

Enquanto erguem as barracas e ajeitam a mercadoria, conversam como maritacas. Assunto não falta. É o gol anulado pelo juiz (sempre) ladrão, os números da mais recente pesquisa eleitoral, a tatuagem no furico da funkeira. Até o arranca-rabo dos vizinhos, que deu polícia, entra no balaio das confabulações.

Barracas montadas e produtos expostos, os comerciantes se entregam a recitar uma alegre e cativante saudação ante o vaivém dos fregueses. “Bom dia freguesia, tudo barato e fresquinho pra dona de casa levar de bacia!”, repete um deles, como um refrão.

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Diz a lenda que feira-livre é coisa de 500 anos antes de Cristo, vinda do Oriente Médio de braços dados com a religião. Originária do latim “feria”, quer dizer feriado ou dia santo.

O termo freguês procede do também latim “filii ecclesiae”, ou filhos da igreja. Não convém remoer, mas faz sentido.

Seja qual for a definição, para mim feira-livre também é lugar de conversar, destilar a bílis contra o governo (qualquer um), cultivar novas amizades e sedimentar as antigas.

Nunca deixo de ir à feira-livre perto de casa nem que seja para andar à toa distribuindo bom dia a torto e a direito para amigos, vizinhos e conhecidos. É quando os vejo e eles a mim. Não nego que aproveito para degustar um pastel. Quer petisco melhor que pastel de feira?

Como todo mundo, durante a pandemia do coronavírus passei bom tempo em casa, escondido do impiedoso vírus. Naquele período acho que fui à feira uma vez. Foi quando troquei meia dúzia de futilidades com o Chico dos Crentes, o Bento, a dona Clarice; cumprimentei gordos e magros, pretos e brancos, Joões e Marias.

Estavam todos mascarados, o que me fez confundir o Toninho com o Nelsinho. Putz, que mancada! Pedi desculpas e continuei no burburinho da feira.

Adiante topei com o Quinzinho esperando a moeção de dois quilos de café em grãos. Sabedor de sua fama de loroteiro, dele desvencilhei-me com alguma classe, pois, também sumido por causa da pandemia, por certo tinha longa fieira de abobrinhas para desfiar.

Acuado pelo vírus chinês, lembro que naquele dia garanti o feijão fradinho para o baião de dois do almoço de domingo e o coco ralado para o doce de abóbora, e voltei apressado para casa. Até esqueci os pepinos.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

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