Foto / Locusonline/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

– Ai, ai, ai – gritou o garoto de dor. − Acho que quebrei meu dedo, choramingou caído no chão. Justo ele, o artilheiro da meninada que, todas as tardes de verão, depois das três, jogava futebol num campinho improvisado num terreno baldio. Isso no Butantã de 1958, na velha São Paulo. Tudo muito amplo, cheio de mato, bem diferente do que é hoje.

O acidente se deu quando o bravo jogador, que era o melhor, deu um portentoso bicudo na bola, estourando o seu glorioso dedão.  Acabou o joguinho da tarde, cada um tratou de ir para sua casa: o menino fungando, com um chamado pé-com-pano, eu um tanto assustado, pois era o dono da pelota, escorreguei para casa, junto com meu mano mais velho.

Explico. O meu tio e padrinho, radialista famoso na década de 1940, era então secretário de imprensa do prefeito Prestes Maia e era por meio dele que meu pai conseguia umas bolas usadas no estádio do Pacaembu. Acontece que papai não era exatamente chegado em esportes e trouxe bolas oficiais, mas de basquete e não de futebol. Eram grandes e duras de chutar, é óbvio.

Nós percebemos logo, porém passamos a afirmar que eram oficiais e por esta razão seriam maiores e pesadas. Isso nos livrava de ter de pegar no gol, já que não éramos exatamente craques do tal esporte bretão.  Deu no que deu, estrepou o dedão do menino e perdemos a confiança da turma nas nossas bolas.

Foi a minha época de moleque. Não tinha consciência de nada, a vida era uma festa só, importava arranjar algo agradável para fazer, como menino na rua. Era só jogar futebol no campinho improvisado, brincar de bolinhas de gude, pião, taco, finca, papagaios ou pipas −que chamávamos de quadrado−, soltar balão, enfim, tudo o que um garoto por volta dos onze anos fazia fora de casa.

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De estilingue em punho, eu saía todos os dias dando pelotada no que via −impiedoso e antiecológico−, geralmente com bagos de mamona, não escapando nenhuma ave, galinha, urubu ou passarinho, às vezes a perna de alguém.

Não é que isto terminou abruptamente?  Um dos momentos cruciais na minha vida em que, embora modesta e restrita, tive uma espécie de iluminação. Exagero: uma epifania! Estávamos nós em férias em Santa Rita do Passa Quatro (SP), na casa de um tio, local muito aprazível, dentro da fazenda do Estado, embora fosse um sanatório de tuberculosos onde ele trabalhava. Pela natureza profusa e bela, não se percebia os dramas ali contidos.

Pois bem, já aos quatorze anos −acreditem– saí pelo mato estilingando tudo o que via, até que acertei em cheio um lindo e inocente beija-flor, que caiu estatelado no chão, mortíssimo. Não vibrei com a pontaria, pela primeira vez fiquei fulminado pelo remorso, sinal da maturidade iniciante. Quebrei o estilingue, jogando-o fora e carrego até hoje a culpa pelo assassinato. Surgiu daí uma consciência ética, ainda vacilante, que se desenvolveu mais tarde.

Ah! Como me dói lembrar. Mas confesso que sinto saudade daquilo que foi livre de minha infância e juventude. Talvez um pouco das pelotadas, naquela época tão normais e inocentes.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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