Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Assustei com os gritos da Tia Filoca no seu quarto. Cheguei lá, estava ela de olhos fechados, berrando no seu linguajar:

− Afasta, peste. Vou chamar a polícia, estafermo!

Toquei no seu ombro e com leve estocada acordei-a do pesadelo.  Perguntei-lhe o que tinha sido e ela narrou já mais calma:

− Zezinho, você não acredita. Sonhei que tinha entrado na sala para admirar os nossos enfeites e luzes de Natal e notei, com muito espanto, um velho gordo e rosado sentado na minha poltrona! Era o Papai Noel, Zezinho, cuspido e escarrado! Não olhava para mim, só lá sentado. De repente, aquele velho bonzinho se transformou, virou um sujeito ameaçador, com barba por fazer, banguela, de maus bofes. Ele se levantou e veio pra cima de mim, rosnando umas palavras sem sentido. Eu recuei e comecei a xingá-lo, acho que queria me agarrar. Daí acordei, com você me cutucando.

Passada a emoção do desvario onírico de titia −tema para psicanálise−, passei a matutar. Como é interessante a figura do Papai Noel e daquilo que o cerca, como duendes e anões, brinquedos e oficina, renas e trenós voadores, casinha no Polo Norte, músicas e filmes, enfim, todo o encanto em volta desse ícone contemporâneo do Natal. Ainda que com a neve, roupas de frio etc., totalmente incompatíveis com a canícula do dezembro brasileiro.

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Porém, não condeno tal deslumbramento; pelo contrário, acredito que é muito bom lidar com a fantasia, essência de muitas obras artísticas, tanto quanto a linguagem e as imagens representam no conteúdo estético da arte. Sou admirador desde criança e tenho fascínio verdadeiro por tudo isso. Guardo no inconsciente e como me faz bem reviver esse encanto uma vez por ano, no Natal.

Não sou daqueles que só enxergam uma má intenção da alta burguesia, com interesses capitalistas escusos, de olho no consumo desenfreado de um Ocidente de cultura judaico-cristã, injusta, decadente e exploradora.  Mas também, de outra face, quando pipocam severas críticas a esse Papai Noel da Coca-Cola, não percebo nisso nenhuma maldade marxista escondida, mal resolvida e falida, com sanha indisfarçável de implantar nestes trópicos ideologia exótica, uma bela e frustrada Utopia. Completos desvarios radicais e autoritários, sem contemporaneidade, aos quais não me amoldo, nem num, nem noutro.

Contudo, muito além do Papai Noel –e da ideologia–, confira: é o Natal a maior festa da cristandade, o nascimento de Jesus Cristo. A data escolhida –diante da ignorância histórica do dia exato– foi o do solstício de inverno no hemisfério norte, quando os pagãos celebravam o culto ao pinheiro, no início do inverno.

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Cronologia à parte, significa uma nova conversão para o crente, o renascimento de Jesus no nosso coração, no amor a Deus e ao próximo. Renovamos, nessa repetição anual do evento, propósitos de fé e virtude, com a observância dos Seus ensinamentos. Seremos, assim, felizes, pois as boas ações, ao contrário dos pecados, nos tornam satisfeitos com nossos atos, alegres no Senhor.

Aos incrédulos, nesse passo é oportuno lembrar até um pagão, o filósofo estoico e dirigente do Império Romano, Sêneca, contemporâneo de Cristo, para quem a felicidade está na prática da virtude (De vita beata).

Em conclusão, cabem as duas festas para a mesma data, uma pagã, mas benéfica, outra religiosa e santa −muito mais importante–, entretanto, resolvendo-se o conflito neste exercício dialético.

Sem prejuízo, como é gratificante ouvir o Jingle Bells, os sininhos e as belas fábulas natalinas na TV!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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