“Amor a três: veja as melhores posições sexuais para trisais”
UOL / Universa, 4/4/22
“Esposa dá sexo a três de presente para o marido e ‘convidada’ fica grávida”
UOL, 5/4/22
“‘Sexo com outra demorou e ela não gostou’: casos de ciúme na casa de swing”
UOL / Universa, 10/4/22
“Elas falam sobre seus casamentos abertos: ‘Usar camisinha é única regra’”
UOL / Universa, 11/4/22
Quer mais ou já é suficiente? Estes são títulos de textos publicados no portal UOL em um intervalo de apenas oito dias, quase todos em sua aba “Universa”. Quem lê, fica com a certeza de que o UOL “só pensa naquiiilo”.
Os temas picantes reservados a minorias, que envolvem tabus e o rompimento com a chamada normalidade de comportamentos, não são exatamente o fim do mundo. A imprensa sempre tratou deles, com maior ou menor riqueza de detalhes e aceitação. O problema é que tudo isto é publicado no maior portal de notícias do Brasil, o UOL, quase lado a lado com notícias de política, esporte, economia, guerras, religião…
Imagine-se lendo uma notícia sobre as demonstrações de fé Brasil afora durante a sexta-feira santa e, logo ali, bem pertinho, a história da mulher que deu outra mulher de “presente” ao marido para fazerem sexo a três. E a convidada engravidou…
Antiquado, eu?
Por incrível que pareça, acho que era mais antiquado quando jovem do que sou hoje. Mas sempre tive as mesmas atrações e curiosidades que a maioria dos seres humanos. Ou até mais. Porém, tudo estava em seu lugar, graças a Deus –como diz um samba antigo.
Desde os oito ou nove anos de idade, quando se via um grupo de meninos olhando para os lados e em torno de alguma coisa, era “batata”, dizia a gíria da época: estavam vendo –e babando nela– uma revistinha no formato de 10cm x 15cm, em papel branco, com impressão em preto. Eram os “catecismos” do Zéfiro, que continham histórias de sexo muito mal escritas e desenhadas pior ainda. Mas era o máximo a que a garotada e adolescentes daquele final de anos 60 poderiam ter acesso.
E se chegasse algum adulto por perto, a tal revistinha desaparecia e a galera se dispersava. Até poder se juntar novamente.
Depois disso, já em meados dos anos 70, quando a censura deu uma levíssima abrandada, começaram a surgir algumas revistas “masculinas”. A primeira foi a “Status”, que combinava matérias ditas sérias com ensaios fotográficos de mulheres mais ou menos nuas. Logo em seguida, surgiu a “Ele & Ela”, da editora Bloch. Ambas eram mensais e traziam suplementos contendo contos eróticos e uns tais “relatos sexuais” claramente inventados, pura ficção.
A Abril, maior editora brasileira da época, não poderia ficar atrás e lançou uma revista com o título de “Homem”. Poucos meses depois, adquiriu os direitos junto ao pilantrão norte-americano Hugh Hefner e mudou o título para “Playboy”, a revista masculina mais famosa do mundo.
A diferença para os dias de hoje é que tudo vinha embalado em plástico e só os sortudos compradores das revistas tinham acesso ao conteúdo. Houve um tempo ainda mais rigoroso quando, além da embalagem plástica, havia uma folha de papel, entre a capa e a embalagem, cobrindo seios, coxas e “otras cositas más”.
Liberou geral
Você, leitor, irá concordar comigo que a diferença entre ontem e hoje é brutal. Hoje, você abre o maior portal de notícias do país, ou seja, um site que atinge desde pré-adolescentes de 11 ou 12 anos atrás de pesquisas escolares, passa por jovens e adultos de todos os matizes e termina nos idosos que vão dos 60 aos 90, 95, e vê tudo, sem nenhuma barreira.
A maioria desses leitores não pediu para ver conteúdo adulto, liberal e, algumas vezes, até pornográfico e escatológico. Não é certo você ler que o “centrão” e o presidente da República estão “namorando” sério e, na mesma passada de olhos nos títulos, ler que uma mulher foi a uma casa de swing e ficou com ciúme do maridão. São sacanagens diferentes.
O que o UOL poderia fazer para evitar esses constrangimentos causados nos leitores? Não sei exatamente qual ferramenta pode ser usada, mas estou certo de que deve ser totalmente possível essas seções (ou abas) terem um “selo” avisando que o conteúdo não é apropriado para menores de idade. Ou, ainda, que o conteúdo trata de práticas sexuais não ortodoxas, relatos desinibidos etc. etc.
Ou até uma senha específica para essa área do site. E entra quem quiser. E quem não quiser, é poupado de saber, por exemplo, quais são as melhores posições sexuais para trisais.
YouTube não fica atrás
A plataforma de compartilhamento de vídeos mais famosa do mundo também mistura conteúdo “sério” e conteúdo “nada sério”. Há cerca de dois meses, do nada, sem ter pesquisado sobre sexo e baixarias sexuais, passei a visualizar vídeos em que mulheres revelam suas preferências sexuais da forma mais grotesca possível em entrevistas sacanas.
Tudo isto, junto com pegadinhas também picantes, embora menos agressivas, aparece entre os vídeos de filmes dos anos 40 e 50, canais de viagens de motorhome e palestras espíritas, que são os meus conteúdos mais habituais.
Querendo “causar”
Quando digo que existem exageros na busca por mais “likes” e visualizações –iniciei esta “cruzada” na semana passada com a crônica sobre os exageros da imprensa esportiva [leia aqui]–, não peço que você concorde comigo de primeira, mas que analise os exemplos que estou mostrando a você.
Veja esta: entraram no tema sempre delicado da religião e, para não perderem o costume, usaram o apelo mais comum: as práticas sexuais abusivas:
“Jesus sofreu abuso sexual antes de ser crucificado, afirma teólogo”
UOL / Folha de S. Paulo, 9/4/22
Querem “causar” ou não querem? Citam um teólogo qualquer, que amanhã continuará sendo um teólogo qualquer, para entrar em um assunto impossível de ser comprovado. Ou seja, o texto não convence a ninguém, mas ofende profundamente aos cristãos.
Outra “provocação” dessa imprensa que pretende ser progressista, de vanguarda, pluralista etc., foi comum durante muitos anos nos jornais impressos. Eram os anúncios classificados de “garotas de programa”, com preços, fones e descrições bem detalhadas dos atributos e dos serviços oferecidos.
E tudo isto não é publicado na escória dos veículos de comunicação, aqueles que vivem atravessando a barreira que separa o que é legal do que está previsto no Código Penal. Todos os exemplos citados foram publicados na “Folha de S. Paulo”, que se intitula o maior jornal do país, e no portal UOL, do qual a empresa que edita a “Folha” é um dos proprietários.
Fica a pergunta. Se os maiores e melhores veículos de comunicação do país publicam isto, o que não devem estar publicando os menores e menos responsáveis? É evidente que não compactuo com os revoltados que se deliciam em atacar o que chamam de “mídia lixo”. Não concordo e digo que a imprensa é uma das instituições mais lúcidas da sociedade brasileira, sempre foi.
Mas precisa tomar cuidado para não cair na mediocridade generalizada que insiste em levar o país, como disse o antropólogo Claude Lévi-Strauss sobre a América –Brasil especialmente–, como fadado a sair “da barbárie à decadência sem passar pela civilização”.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.